Passando os festas natalinas em Olinda e Recife com os meus familiares, tive a oportunidade de, mais uma vez, encontrar-me com o Prof. Edson Nery da Fonseca. Ele, do alto dos seus 86 anos, continua lúcido e brilhante nas suas exposições – é dotado de uma memória fabulosa : lembra-se de todos os sobrenomes das pessoas que cita, datas e locais. Nessa ocasião ele me presenteia com mais uma obra sua sobre o Mestre de Apipucos, com o qual trabalhou por mais de 40 anos e se tornou seu mais fiel intérprete. A obra chama-se “Em torno de Gilberto Freyre – ensaios e conferências”. É um livro publicado pelo Instituto Joaquim Nabuco através da Editora Massangana. No prefácio ele cita Álvaro Lins que se refere aos paradoxos da personalidade gilbertiana :”O gentleman de salão ou o companheiro dos cafés parecendo o mais sociável, o mais expansivo, o mais extrovertido, e o trapista, o solitário que se fecha com os seus livros, tornando-se invisível durante muitos dias; o místico que se sustenta de uma fé ainda não definida e o cético que parece tudo decompor com uma análise desdobrada em dúvidas e hesitações”.

O prof. Edson tem uma bibliografia própria sobre Freyre. Dentre os itens,destacam-se : livros,organizações de obras , contribuições em obras, contribuições em obras coletivas, prefácios de livros , colaborações em revistas, colaborações em discos e filmes, internet, – produziu cerca de 60 obras, alem de 36 artigos de 1945 a 2006.

No Sumário chamou-me a atenção dois momentos. O primeiro está no Apêndice e trata-se de poemas que concernem à Bahia: Bahia à tarde, Bahia e Bahia de todos os santos e de quase todos os pecados.O outro está no capítulo intitulado “Unidade da diversidade: pensamento e ação em Gilberto Freyre” e tem como sub-tema “Religião”.
Esse tema na vida dele sempre suscitou controvérsias.Freyre tem um périplo sui generis.Ele foi de família tradicional católica, mas na adolescência estudou no Colégio Americano Batista, que, naquele tempo, estava na moda no Recife pois apresentava uma dinâmica pedagógica totalmente inovadora . Lá aos 17 anos ele se entusiasmou com a perspectiva evangélica e até pensou em ser missionário na Amazônia. Em Baylor University, universidade Batista do Texas, ele ingressou levado por esse ideal. Mas logo se decepcionou pois percebeu a conivência com o racismo e o aburguesamento das seitas protestantes. Mas foi fortemente influenciado pelo catolicismo histórico de Oliveira Lima pois este tinha uma visão particular relacionada com a história do Brasil sendo iluminada pela ação do catolicismo. Mas também outros escritores católicos como Ernest Psichari, Péguy, o cardeal Newman, Chesterton, Pascal, Santa Tereza, São João da Cruz, contribuíram para a sua visão . Em 1924 ele faz uma conferência na Paraíba – “Apologia pro generatione sua” – e José Lins do Rego comenta que “ele aparecia ali como um apaixonado pela Igreja Católica, mas de longe, seduzido pela ordem da fé. Ele ficara sempre rondando a porta da Igreja, sem a disposição de meter-se na festa”. Casa Grande e Senzala é o grande palco onde esses elementos ecoam. Lá, referindo-se às lutas coloniais contra calvinistas, reformados holandeses e protestantes ingleses, diz Freyre que o “catolicismo foi realmente o cimento da nossa unidade”.Mas a visão dele sobre os jesuítas é muita crítica e os contrapõe aos franciscanos. Qualificou a ação da Companhia de Jesus como deletéria ao desorganizar as culturas indígenas. A sua tese naquele livro é de que a ação dos franciscanos trouxera mais benefícios aos índios do Brasil. O próprio Edson Nery, tendo estudado com os jesuítas do Recife no famoso Colégio Nóbrega, conta que sofreu muito com a argumentação e a metodologia religiosa e ética daquele Colégio o que reflete bem o pensamento de Freyre. Este último diz que os missionários jesuítas destruíram a cultura indígena ensinando orações em latim , enquanto os franciscanos dotaram-nos de técnica de plantio pois esses eram mais sensíveis às lições com a natureza, seguindo o próprio fundador. O jesuíta e ilustre historiador, Serafim Leite, apoiando-se nesses argumentos, considerou Freyre como inimigo deles e da própria Igreja. A Congregação Mariana da Mocidade Acadêmica do Recife sugeriu que os livros , e o autor, fossem queimados em praça pública. Mas houve jesuítas menos intransigentes com relação a ele e que viram na sua obra a visão de um antropólogo e não de um anti-católico ou anti-clerical – estão incluídos nesse grupo os padres Roberto Sabóia de Medeiros e Fernando Bastos de Ávila.

O ápice de Casa Grande e Senzala, no aspecto da abordagem religiosa , é quando Freyre exclama:”Pode-se dizer que o entusiasmo religioso foi o primeiro a inflamar-se no Brasil diante de possibilidades só depois entrevistas pelo interesse econômico (…), o Brasil foi por algum tempo a Nazaré das colônias portuguesas. Sem ouro nem prata. Somente pau-de- tinta e almas para Jesus Cristo”.

Professor de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB e da Academia Mater Salvatoris. Colabora nas paróquias da Vitória e de S. Pedro. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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