A festa da Epifania, ou festa de Reis, como é popularmente chamada, sempre ocupou um lugar especial dentro das nossas tradições. Mello Moraes Filho, no seu livro “Festas e tradições populares do Brasil”, talvez sem querer, disse uma grande verdade teológica, quando afirmou: “A véspera de Reis na Bahia é um corolário da noite de Natal – são irmãs quanto à origem”. Na verdade, a Epifania, festa da manifestação do Senhor às Nações, tudo simbolizado pela presença dos três Reis Magos, historicamente é mais antiga do que o Natal de 25 de dezembro. Naquela celebração, a de Reis, colocava-se todo um ciclo que culminava com a apresentação do objetivo maior da Encarnação-Nascimento de Cristo: Ele é aquele que veio reunir na unidade todos os povos chamando-os à salvação, que agora é universal – é para todos “os homens de boa vontade”.

O autor citado relembra que outrora (ele faleceu em 1919) essa festa se passava, na Bahia, nos templos e nos domicílios, emigrava dos bailes pastoris à poesia popular erudita. E cantavam ao se dirigirem ao presépio das casas que iam visitar: “Ó de casa, nobre gente/ Escutai e ouvireis/Que das bandas do Oriente/São chegados os três Reis”. A porta sendo aberta, o rancho entrava e havia uma nova canção de saudação ao presépio:” Bravo, bravo, bravo/ Hoje é quem brilha/ o Verbo Humanado/Deus de maravilha”.

A Epifania é uma celebração que prenuncia o universalismo do Cristo. A humanidade tende para essa dimensão, mas até agora ele não foi atingido sob as formas políticas, sociais, econômicas. Atingido, ele não seria mais limitado às fronteiras de uma cultura ou de uma pretensa civilização – obtido esse ideal, os meios técnicos seriam patrimônio de todos e não exclusividade de uma pequena parcela.

Esse dinamismo é tão forte e tão característico dessa Nova Esperança, que os que manifestam exclusivismo racial, nacional, cultural (ou de qualquer outro tipo), são considerados ultrapassados, mesmo que insistam em subsistir sob formas as mais disfarçadas.
A missão do povo de Israel foi a de reunir todos os povos na descendência de Abraão e de realizar, assim, a promessa do universalismo. Mas Israel acreditou erroneamente poder formar essa unidade unicamente se baseando numa certa prática particular de ritos e sinais externos: a lei, o sábado, a circuncisão, abluções. Eles não conseguiram desligar a fé de Abraão dessas práticas legais. Por isso mesmo, mereceram de Cristo a reprovação: “Raça de víboras . Fazei o que eles dizem, mas não o que eles fazem”.

Convocando os Magos no Oriente, Cristo Jesus começa a reunir os povos a dar unidade à grande família humana, que se realizará plenamente quando a fé nEle fizer cair as barreiras existentes entre os homens, e na unidade de fé todos se sentirem filhos do mesmo Deus, igualmente redimidos e irmãos.
S.Leão Magno, foi o Papa que no século V (tempo das grandes invasões bárbaras, que preconizaram a queda do Império Romano) elaborou os mais belos sermões de Natal, e já dizia “que há uma estrela que conduz a Herodes e uma outra que leva à pátria dos nossos corações” – que, com toda certeza, é a pátria do próprio coração dEle.

Ora, todo discurso sobre unidade, em qualquer campo, corre o risco de ser mal compreendido. Associa-se, frequentemente, unidade com uniformidade monótona, que leva à anulação de todas as diferenças individuais, a um total nivelamento. Dessa forma, inaugura-se um sistema de rótulos, discriminações e exclusões. A própria Igreja, enquanto elaboração social e cultural, durante muito tempo esteve ligada ao mundo cultural do Ocidente e ao homem branco. Dessa forma, o cristianismo ficou reduzido a imagens e categorias mentais tipicamente européias. Mas a mensagem de Cristo não pode ser branca, negra, amarela, vermelha, como não pode ser proletária, burguesa ou socialista.

Mas há sempre uma estrela a lembrar esses valores que a Epifania, festa de Reis quer nos recordar. Os textos da Missa da Epifania são iluminados por esses elementos: “Ó Deus, que hoje revelastes o vosso Filho às nações, guiando-as por uma estrela… Ó Deus, guiai-nos sempre e por toda parte com a vossa luz celeste”.
Na espiritualidade do Natal, na ótica de S. Francisco, a própria natureza canta e adora o Menino , adorado pelos pastores, e que agora o é pelos Magos – “Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lO”.
Não será a estrela do mar um sinal dessa união entre céu e terra que agora se efetivam para sempre com o Menino de Belém?

Professor de Antropologia da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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