29 de dezembro de 2007
Barulho de chave. Ranger do portão. Os movimentos de sempre. É ele.
Entra. Sentada na sala leio o jornal. O televisor ligado. Olha, não me vê. Passa como se me atravessasse. Assim, todos os dias.
O olhar de ausência me incomoda.
Seis horas. O sino, o Ângelus. Ave-Maria de Gounot. Flores, velas, vestido branco. Passos leves. Orações, enganos, promessas. “Promete amá-la e respeitá-la?”
Atravessa a sala. Passos pesados. Arrasta correntes, grilhões.
A tarde ainda não findou. Cheia de graça e fé.
“Na doença e na saúde?”
Entra no banheiro. Leva o silêncio. Volta com ele.
Sentamo-nos à mesa, ignorando um ao outro. Rumina, remói, engasga.
O Senhor está entre nós.
“Até que a morte os separe”?
A Ave Maria agoniza:
“Agora e na hora, da nossa morte”.
Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.
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