junho de 2007

Depois de revirar a revista de bordo, a frase de um comercial me chamou a atenção – quando eu participo, quando tu participas, nós transformamos a realidade. Fiquei imaginando como reagiria cada pessoa ao ler essa frase. Quem sabe, era um convite às pessoas para entrar na provocação e reagir, manifestando suas convicções. Como cada pessoa fala daquilo que seu coração está cheio, preferi ver nela uma profunda afirmação pedagógica e, por isso, também política, ou melhor, uma tese político-pedagógica. O tempo de viagem era longo e aproveitei para rabiscar algumas anotações.

1. Quando – Parece falar da passagem do mero ato da informar-se para uma atitude de conhecer. Embora haja estreita ligação entre informação e conhecimento, muita gente informada não transforma os dados em conhecimento: não aplica os dados em uma prática concreta. Uma aula sobre artesanato não faz de uma pessoa um artesão. Já um artesão tem conhecimento, ainda que não saiba que tem informações. As informações devem servir ao conhecimento. E conhecimento, consciência, saber implicam necessariamente em saborear, em engajar-se, em fazer, a única forma de mostrar que é possível transformar o mundo.

2. Eu – A idéia de aniquilar-se tem a ver com negar-se, reprimir-se. Cada pessoa nasceu para ser estrela, ter luz própria (“quanto mais estrela no céu, mais a noite fica iluminada”). Só quando alguém se reconhece e se afirma na sua identidade poderá constatar que não está só no mundo. Isso implica em escutar e respeitar o diferente, em relacionar-se sem superioridade ou inferioridade, em com+versar. O diálogo é que determina se vai dar namoro ou amizade.

3. Tu – É o reconhecimento que existe a outra pessoa que sendo diferente, não é desigual. É a outra estrela completa carregada de potenciais e limites como eu e que pode decidir-se a entrar na roda e formar um imenso cordão. Quando na relação de irmão, esposo, parceiro, alguém se submete ou só cede, é porque virou objeto ¿ está possesso, possuído. Se há gente dominada, há gente que manipula, que se torna dona, que anula a aluna (sem luz).

4. Nós – É mais que soma ou justaposição de indivíduos. É um nó de relações, um coletivo que não apaga as individualidades críticas, não permite o egoísmo a dois, nem o uso das pessoas. Inclui a descoberta de que ninguém pode fazer tudo e a crença no valor da troca e no poder de fogo da ação conjunta. Às vezes, é ditado pela necessidade de mútua proteção. Cresce quando se torna ato voluntário desejado e buscado. Vira gratuidade quando, por convicção, se torna solidariedade e amor, sem obrigação ou contraparte. Mas, sempre será desafio, aventura e risco, sem vacinas e sem garantias.

5. Participar – A etimologia da palavra já diz que é o ato de ser parte, de tomar iniciativa, de se envolver. Só é parte quem se gosta, confia em seu taco… e reconhece os próprios limites. Quem tem auto-estima afirma sua dignidade de sujeito e conspira (une-se numa mesma inspiração), sem pisar, vitimizar ou superestimar “os de baixo”. É o contrário de hesitação, medo, passividade, subserviência. Não combina com assistir, ser platéia, ser cliente. Exige entendimento, coragem e disposição para entrar em um processo e para romper dificuldades, conveniências e “legalidades” imorais, no rumo do que define como justo e humano.

6. Transformar – O verbo indica radicalidade: mexer na raiz, dar outra forma, alterar uma estrutura injusta que oprime a vida e a convivência. Por isso, não fala em mudar, reformar, remendar que são paliativos que iludem, encobrem para não atingir as causas do problema. Transformação tem a ver com revolução, com ruptura, com ato de força, já que ninguém entrega o ouro de mão beijada, por medo de entendimento, seja na vida pessoal, grupal ou política. É uma mudança qualitativa, concebida no seio da velha situação, mas que representa sua superação. Por isso, se repete infinitamente para que a vida fraterna sempre nova e sempre livre se afirme.

7. Realidade – Alguém já falou que os filósofos se contentaram em entender o mundo, mas que a tarefa é entender o mundo para transformá-lo. Não se trata, portanto, de professar princípios e fazer bons propósitos que não guardam coerência entre o dito e o feito. Aliás, de boas intenções o inferno está cheio. A participação na vida precisa tornar-se força material que contribua na transformação do cotidiano de todos nós e do sistema social que o condiciona. Nosso combate é, então, contra “coisas” objetivas e subjetivas que geram e perpetuam diferentes formas de exploração e de dominação. Pois, quem tem e não trabalha, vai continuar a fazer de tudo para arrancar a riqueza material e cultural de quem trabalha. Nesse afã cria e recria mecanismos de matar o corpo e também matar a alma.