Na crônica anterior, vimos como é difícil ser brasileiro no exterior quando não temos o estereótipo padrão tupiniquim: morenos, atléticos, conquistadores e barulhentos. O problema de ser um brasileiro nem um pouco brasileiro – baixinho, branquelo, redondo, quieto e careca – é que ninguém acredita que você é brasileiro. Nem quando mostra a carteira de identidade ou o passporte.
Em Portugal, tá certo que o idioma é teoricamente o mesmo, mas a entonação e o sotaque são completamente diferentes. Não há nada demais se um turista me confunde com português e vem me pedir indicações, mas quando um português-nativo lhe confunde achando que você é português, mesmo quando você fala com nítido sotaque brasileiro, é porque tem alguma coisa realmente errada com um dos lados.

Certa vez, uma senhora perdida na estação de metrô não sabia usar a máquina de comprar tickets. Eu também não sabia, era minha primeira vez usando aquelas máquinas. Do alto da minha matutice e subdesenvolvimento, fiquei tão perdido quanto cego em tiroterio e não sabia ajudar a pobre coitada. A senhora achou que foi má vontade da minha parte e saiu xingando. E ainda fiquei sem conseguir comprar o ticket.

Em outra oportunidade, um carro com uma família portuguesa pára ao meu lado na rua, perguntando por direções. Aparentemente, estavam tão perdidos quanto eu e, obviamente, não sabia de nada. E ainda insistiram, perguntando pelo nome de outra rua. Como se eu soubesse o nome de qualquer rua, aliás. Foram embora com raiva achando que eu não queria dizer por má-vontade, por mais brasileiro que fosse meu sotaque.
Por causa do trabalho, certa vez tive que descascar um abacaxi numa terra onde só tem gente de olho puxado. Como quase não tinha vôos para lá, a conexão foi na Terra do Tio Sam, quintal do Bush Jr, onde me vi preso por três dias em uma pequena cidade onde a [minha] diversão era ir ler jornal na internet da biblioteca pública, de graça. Era meu único contato com o mundo exterior, na ocasião.

No segundo dia, enquanto lia meus jornais online, uma típica loira-americana entre 40 e 50 anos que estava na cadeira ao lado olha para mim, dá uma batidinha de leve no ombro e pergunta: me desculpe, mas você poderia soletrar “architecture” para mim?
O caipira aqui estava tão entretido no jornal que, na hora, nem processei direito aquela situação bizarra, apenas soletrei a palavra com aquele meu inglês-de-escolinha e voltei minha atenção para os jornais e as fotos de gente morta na primeira página. Levei alguns minutos para questionar o que diabo havia acontecido.
Aparentemente, aquela manceba digitava uma carta ou algum documento importante, porque parecia bem concentrada. Quinze minutos depois, a criatura dá outra batidinha no ombro e pergunta: senhor, desculpa de novo, mas você poderia soletrar “whacked” para mim? É que estou escrevendo um…

Na mesma hora a interrompi e, frustrado, simplesmente fui obrigado a responder: minha senhora, me desculpe, mas eu não sou daqui, sou gringo e caipira, acho que não falo inglês muito bem e evidentemente não sei soletrar palavras em inglês, aliás, estou até de saída porque meu tempo acabou e, como todo bom estrangeiro latino-americano, money que é bom nós num have.

Obs: Imagens enviadas pelo autor

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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