Quem primeiro me falou da importância histórica de Maragogipe, da bela e grandiosa igreja que tem como patrono S. Bartolomeu, foi Pe. Sadoc, pois cada ano ele é convidado para pregar no dia daquele santo que é 24 de agosto.

A convite do Pe. Mateus de Lima Leal, vigário paroquial, fui convidado a passar lá o carnaval. Fui com minha mãe e ficamos hospedados na casa paroquial que é de 1875. E fiquei encantado com a cidade. Lá tudo cheira à história. A paróquia me indicou um estudante de pedagogia, Sócrates Fernandes de Araújo, que é restaurador de imagens antigas e que conhece bem os meandros da história da cidade.A igreja matriz foi construída de 1630 a 1753. Aliás, o nome do patrono foi dado em homenagem ao proprietário da sesmaria, Bartolomeu Gato. A cidade foi elevada à categoria de Vila em 16/06/1724 e recebeu o título de Patriótica Cidade em 08/03/1860. A Santa Casa de Misericórdia é de 1850.A cidade foi sede de muitas Irmandades e há algumas que estão ainda em pleno funcionamento. A Irmandade do Santíssimo Sacramento foi fundada em 31/01/1700 e ainda está atuante.A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição é de 1704. a de S. Bartolomeu é de 1851. A das Santas Almas Benditas é de 1667 (esses dados estão no Arquivo Público da Cidade). A cidade é ainda enriquecida por duas Filarmônicas: há a Perpsícore Popular, fundada em 13/081880 – na mitologia grega, Perpsícore é a musa da poesia lírica, da dança e dos coros, e ela toca a lira para animar a alma. Também há a antiga Filarmônica Menimosina – na mitologia grega é a deusa da memória- e teve como fundador o professor Teodoro Borges da Silva.

A Câmara é como as de Cachoeira e Stº Amaro, isto é, Câmara e Cadeia, e foi construída no século XVIII. Lá o General Labatut ficou preso nos porões da casa. A propósito, o presidente da Câmara, Antônio Roberval,que é filho-de-santo do Terreiro do Pai Edinho, disse-me que já há iniciativa no sentido de abrir um Museu em homenagem ao general herói do 2 de Julho.

Também lá descobri vestígios da Irmandade da Boa Morte. Há um forte argumento entre sérios historiadores (como o professor Cid Teixeira) de que até o início do século XX, havia no Recôncavo Baiano, algumas dezenas de Irmandades da Boa Morte. Na igreja de Maragogipe há um altar com a imagem dessa devoção, isto é, Maria está deitada num esquife mortuário.Também o estudante-pesquisador, Sócrates, trouxe-me um quadro, que precisa ser restaurado, com uma estampa referente a Nossa Senhora da Boa Morte, com os dizeres:” Nossa Senhora da Boa Morte que se venera na cidade de Maragogipe -1879″, e que pertence a Conceição Maria Cardoso.Esse jovem pesquisador deu-me informações preciosas sobre o desaparecimento dessa devoção naquela cidade. O Pe. Manoel de Oliveira Lopes, que se tornou Bispo, em 1887 fundou a Pia União das Filhas de Maria. Este foi substituído pelo Cônego Adolfo José da Costa Cerqueira , falecido em 11/04/1929. Ele era um homem que tinha fama de santidade, usava cilício e todos os seus irmãos e irmãs se tornaram padres e freiras. Mas ele repudiava o candomblé. O contexto histórico da Igreja Católica, na época, era o do Ultramontanismo, movimento da segunda metade do século XIX que refletia a tendência centralizadora do Catolicismo, com tendência a controlar com mão forte, sob a égide dela (Papa, Bispos e Padres/Vigários) todos os movimentos.As Irmandades sempre representaram uma tendência leiga, de independência e sempre houve conflitos entre ¿ os administradores oficiais do sagrado¿ (E. Hoonaert) e as Irmandades. Mas se tratando de uma Irmandade composta por mulheres negras, escravas alforriadas, a preocupação era ainda maior com a independência delas. Dessa forma, pouco a pouco,, as Filhas de Maria foram ocupando o lugar-espaço dessa Irmandade, chegando mesmo à sua extinção. Mas esse quadro a que me referi, e mais outros dois que estão na posse dos familiares das antigas integrantes da Boa Morte, são um testemunho inegável e eloqüente da presença dessa Irmandade naquela cidade. Sócrates me falou de D. Leopoldina, que fora da Irmandade e que falecera com mais de 100 anos. Muitos na cidade ainda se lembram que ela tinha o costume de vender quitutes e doces na 6ª santa: quindins, cocada, alferes ( um doce feito com mel), coquinho ( um doce redondo como um côco).

Na igreja há duas imagens de S. Bartolomeu : a do altar-mor é pequena, mas a da procissão é em tamanho natural, e é de roca de articulação, isto é, os braços se mexem.
Tive a chance de conhecer o Babalorixá Pai Edinho do Terreiro Ilê Alabaxé – é um terreiro organizadíssimo e já é tombado pelo IPAC. Lá eles têm o costume de distribuir diariamente sopa para os mais pobres, independentemente de serem ou não de candomblé.No último dia do carnaval, eles desfilam com um grande bloco, os Filhos do Ilê Alabaxé. Aliás, o carnaval de Maragogipe precisa ser mais difundido, pois conserva traços culturais fortíssimos: há os caretas, mascarados, individuais ou em grupos, com uma originalidade especial – é um carnaval familiar, os pais passeando com seus filhos, alguns até bebês de braço, fantasiados enfeitando a cidade.

O povo é generoso e hospitaleiro – fui convidado a um jantar na casa da Presidente das Filhas de Maria, dona Marinalva da Paixão Andrade (D. Nalvinha). Um ponto a sublinhar e sei que o poder publico já está atento – Prefeitura e Câmara de Vereadores- é com relação à estrada :há mais buracos que estrada e durante o dia sempre falta luz. Esses dois elementos são fundamentais para o povo da cidade e para que os visitantes possam acorrer para desfrutar das riquezas dessa cidade.

De parabéns está o vigário da cidade, Pe. Reginaldo Almeida Morais, estimado pelo povo, ( tem uma equipe maravilhosa que colabora com os serviços paroquiais, como D. Bárbara, e tantos outros) e que tem a missão de dirigir e estimular esse povo que é portador de tantas e belas tradições.Pude participar da Missa e festejos do aniversário dele em Humildes (município de Feira de Santana, onde a família tem uma roça)- lá acorreram paroquianos e amigos para abraçá-lo e agradecer sua maneira simples e carismática de acolher e reger o seu rebanho.

Professor da Uneb, da Cairu, da Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB e da Academia Mater Salvatoris. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro. 

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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