Ser brasileiro em terra estrangeira significa que você pode ser qualquer um e ninguém ao mesmo tempo. Não é à toa que passaporte brasileiro vale tanto no mercado negro, mas ninguém parece lembrar desse detalhe na vida real. O estereótipo é universal: somos morenos, atléticos, conquistadores e barulhentos. O problema de ser um brasileiro nem um pouco brasileiro – baixinho, branquelo, redondo, quieto e nada galanteador – é que ninguém acredita que você é brasileiro. Nem que mostre o passaporte. E todo mundo vai achar que você é mesmo um mentiroso.
É comum a gente ser confundido com americano, português, holandês, húngaro, francês e provavelmente com tantas outras nacionalidades que não lembro agora, mas ninguém arrisca dizer que sou brasileiro mesmo quando visto uma camisa com a bandeira do Brasil no peito. É normal, compreensível, mas tudo na vida precisa ter um limite. E o meu limite de frustração-pátria encerrou-se quando me perguntaram se eu era mongolês. Ou seria mongol? Mongol devo ter sido sempre, mas refiro-me aos residentes da Mongólia.
No início, pensei que não estava entendendo o idioma, ou até que fosse piada, mas aquela simpática jovem senhora chinesa realmente estava crente que eu seria um quase conterrâneo. Eu acabara minha refeição naquele restaurante na periferia do qual fui vizinho por meses e, não mais que de repente, a criatura fala comigo em chinês e espera uma resposta.
Claro que não entendo, repito apenas “English?” com meu sotaque ‘orgulho de ser nordestino’ e ela tenta falar uma mistura de húngaro, inglês, chinês e talvez outro idioma qualquer. Apenas o suficiente para eu entender que ela perguntava se eu era mongolês. Eu disse que não, falei que era do Brasil (ela não entendeu o nome do país) e achei que o assunto tinha acabado por ali mesmo.
Paguei a conta, frustrado, já pensando em chegar em casa e comprar pela internet várias bandeiras brasileiras para andar com elas amarradas nas costas que nem a capa do Super-Homem. Quando pedi a conta, a simpática-jovem-senhora-chinesa não trouxe apenas a conta, trouxe também um mapa-mundi e abriu em cima de mesa, ficou apontando para a Mongólia e apontando para mim, sorrindo como se estivesse encontrado o irmão perdido há décadas para o exército de Mao.
Dei uma risada discreta para não parecer rude, falei Brasil novamente e apontei no mapa, ela se mostrou confusa e apontou para a China, para a Mongólia e, em seguida, para ela. Depois, apontou novamente para a Mongólia e indicou o dedo para mim. Não ia adiantar mostrar carteira de imprensa com o nome BRASIL em letras graúdas, então apenas ri à toa e fui embora, cabisbaixo.
Tudo bem, tenho cá meus olhos ligeiramente puxados por causa da genética paraense, ou seja, um bocado de raiz indígena; fato que ninguém também acredita, porque índio branquelo, careca e peludo é quase tão fácil de achar quanto um jacaré albino. Tudo bem, estava sem fazer a barba há quase duas semanas, cansado e de ressaca, de repente eu poderia parecer um asiático-albino, quem sabe. De qualquer forma, Mongólia é difícil de engolir.
Apesar de ser viciado em cinema oriental há anos e até escrever sobre o assunto, só assisti a um filme da Mongólia até hoje. Foi o ótimo “Camelos também choram”, uma produção conjunta da Mongólia e da Alemanha filmada em 2003. Ao lembrar daquele filme, notei que os atores-mongoloses também são baixinhos, redondinhos e, claro, têm olhos meio puxados. Só que não são branquelos.
E minha grande pergunta é: serão os mongoleses também peludos?
Obs: Imagens enviadas pelo autor.