Dasilva 19 de março de 2007

Ontem, na assembléia ordinária do condomínio, houve eleição para síndico. Mesmo sem grande esforço, era possível identificar três realidades que saltavam aos olhos:

1.O poder inebria – O atual síndico, eleito agora para um terceiro mandato, “atendendo a pedidos” “aceitou a missão espinhosa” “como um serviço a coletividade”. A cada vez, ele jura, de novo, que não vai mais aceitar esse “pepino” “pelos transtornos familiares e pessoais que o cargo causa”. Mas, no dia da eleição, “para evitar que algum aventureiro lance mão da coroa -, aceita o “sacrifício” e agradece a confiança do plenário.

Fica claro que, quanto mais as pessoas negam, mais reafirmam o gosto pelo poder. Sem falar da necessidade, nem do direito que qualquer pessoa tem de querer o poder, vale a pena refletir nas ambigüidades do poder.
No condomínio, como nas diversas esferas de governo, uma vez assumido um posto, as pessoas tendem a: a) fazer de tudo para tirar dessa posição, vantagens de várias ordens, para si e para os seus; b) agir pensando na continuidade e para isso não mede esforços e até expedientes condenáveis, jogo sujo, alianças escusas, métodos outrora renegados…; c) sonhar em “subir mais” porque o cargo a torna poderosa – status, vantagens materiais, admiradores… – e já não consegue “sumir” nem voltar à esfera de “pacato cidadão”.
Assim, a história está povoada de exemplos onde o preço para ter mais e ser mais, não tem medida, aceita qualquer custo, vende a alma, perde a moral ou macula convicções do passado que inclusive a projetaram.

2. O poder é macho – Já foi um avanço que na assembléia do condomínio o número de homens e mulheres era absolutamente igual. Mas, na hora de falar, de apresentar candidaturas, de votar… sequer se pensou em uma síndica. As mulheres sentaram-se atrás, conversaram sobre a vida do condomínio, sugeriram companheiros “competentes e preparados” e votaram na indicação do “seu marido” ou delegaram seu poder de decisão escolhendo um homem. Duas mulheres que se apresentaram ou foram apontadas para o conselho, não receberam votos nem das mulheres, porque eram muito “saídas”, com “ambição de aparecer”. Claro que para a secretaria, para contar votos, para as equipes de serviços…, naturalmente, a escolha (e auto-escolha) foi na maioria de mulheres.

Não é só o homem que gosta de mandar (alguns na assembléia chegaram até a falar do machismo), é a mulher que aprendeu a subordinar-se, a exercer o poder de forma marginal e envergonhada. Essa postura naturaliza práticas e comportamentos porque, ao definir tarefas de homem e tarefas de mulher, também torna comum e perpetua a idéia que a diferença cria a inferioridade ou a superioridade.

3. É justo querer o poder – O que pode estar por trás da luta pelo poder é um anseio profundo do ser humano. Mesmo que as pessoas, sobretudo as mulheres, digam que não querem, “delegam” seu poder ou assumem tarefas operativas, estão afirmando, ainda que inconscientemente, a necessidade de ter e de exercer o poder. O poder é capacidade de alguém de intervir na realidade e transformá-la no seu interesse. O ato de tomar decisões é uma afirmação de identidade e de auto-estima. E, contrariamente, sentir-se impotente é perder a esperança, é entregar-se à sorte, é anular-se.
Quando historicamente se definiu a democracia, a afirmação básica era que todo poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido, de preferência diretamente, consagrado na maioria das Constituições. O estranho não é desejar o poder, mas a tentativa de insistir que o poder corrompe e de reduzi-lo a um mero ritual de eleger candidatos maquiados e vendidos, por forças que dominam as riquezas, as idéias e os postos de decisão.

“Gente é pra brilhar” e “quanto mais estrelas no céu mais a noite fica iluminada” diriam os poetas. Aproveito a ocasião para realçar isto quando uma pessoa se apresenta com o nome de Aparecida. Para isso fomos dados à luz, uma luz se coloca no alto para que todos vejam e que a suprema Boa Notícia é anunciar a quem não tem poder: sim você é capaz, levanta, toma teu leito e anda. Claro que nesse ato de superar a cultura do silêncio a que a maioria foi relegada, não se pode ser ingênuo e subestimar as ambigüidades do poder. É preciso tomar o poder nas mãos e construir mecanismos de controle que sempre de novo retomem o poder e o exerçam, de forma repartida e solidária.

março de 2007.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]