Toda cultura é permeada pela dimensão ética.Disso resulta uma evidência que consiste que a práxis humana não se limita a reproduzir a natureza, ou a produzir obras e comportamentos naturais, mas cria valores e símbolos – isto é, sublinha não apenas o que é mas o que deve ser. Entre as mais antigas expressões da ética estão o Mito e a Crença. O prestígio do sagrado com seu poder divino e legislador, garante a objetividade e a força das normas.É, certamente, a religião, em todos os povos, a forma mais comum e de maior autoridade que legitima e conserva o ethos.
Porem, a ética caminhou para a autonomia, distinguindo-se do religioso e do sagrado, especialmente na época moderna. Esse processo de secularização representou uma grande crise da ética tradicional ainda não resolvida.
Nos últimos 40 anos, na sociedade brasileira, passou-se de uma sociedade rural para uma sociedade industrializada e urbana. Aconteceu sem a participação do povo, aumentando ainda mais a distância entre a cultura do povo e o novo modelo cultural imposto. Houve um rápido crescimento humano. Os milhões de habitantes foram se multiplicando ao longo das décadas do século XX – mas essa sociedade foi marcada pela desigualdade geradora de um dualismo ético.
A economia escravagista deixou como herança o ethos da Casa Grande: a arrogância do poder, com privilégios e mordomias, que ignoram a igualdade perante a lei, gerando a mentalidade do “quem pode, pode”. Isto é, quem pode no plano econômico e político, pode também no plano moral e ético. O poderoso teria direito a tirar proveito do seu poder , independentemente de critérios da lei e da justiça, mesmo se isto comportar que a coisa pública seja reduzida a propriedade quase privada, subordinada aos interesses particulares.
Os fatores da crise ética da nossa sociedade têm gerado a falta de honestidade, a corrupção,o abuso do poder, a exploração institucionalizada e a violência. Há uma ruptura entre o indivíduo que se fecha sobre si mesmo, a vida pública e os valores comuns sobre os quais se ergue a sociedade. A visão comunitária é enfraquecida e prevalece a visão do ser humano como indivíduo consumista.
Há uma contradição que marcou a história do país: de um lado, há uma parcela da população que se beneficiou com o desenvolvimento e as transformações recentes e cujo poder e riqueza não cessam de aumentar, acentuando ainda mais as desigualdades. A regra básica dessa contradição é levar vantagem em tudo – esse é, certamente, um momento pós-ético.De outro lado, há uma imensa maioria que vive fora da sociedade, excluída do processo de desenvolvimento e modernização – esses vivem numa situação pré-ética.
Todo ser humano, no momento de agir coloca-se a questão: o que é bom e o que é mal? Há um mal físico e um mal moral. A consciência moral transcende todos os níveis de consciência ou de intencionalidade do ser humano. O imperativo moral manifesta-se à pessoa como algo que está no ser humano, mas que não é dele, não se reduz à sua vontade . Do ponto de vista ético há, freqüentemente, na nossa sociedade, um equívoco: o de pensar a liberdade como simples autonomia da pessoa, que não se sujeitaria a ninguém.
A exigência ética se impõe a todo ser humano, independentemente ou antes de uma interpretação religiosa explícita. A religião não anula a autonomia da ética. Claro que o ato ético sempre procura mostrar que ele se constitui como uma abertura à transcendência. O apelo a agir bem, que se apresenta à consciência de cada ser humano, surge como a voz de Alguém que nos ultrapassa, não como simples vontade do nosso eu.
Superar a distância entre ética pública, que define a responsabilidade de todos e de cada um na busca do bem comum, e a ética privada, é a grande meta da nossa sociedade.Ética pública diz respeito à condução da coisa pública, isto é, à responsabilidade do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum. Isso exige uma proposta ética e um projeto político, que orientem pessoas e instituições no exercício dos seus deveres e direitos.
Só assim a sociedade terá condições de lutar contra os seus males mais evidentes , como a violência, a corrupção, a sonegação, a desvio e a malversação do dinheiro público. Não escapa a ninguém que as instituições humanas possam decair ou evoluir, possam ser reformadas em nome de uma nova ética, ou seja, de valores mais elevados e dos direitos/deveres correspondentes.
A política é essencialmente ética, na sua vocação primeira, pois se refere à justiça.”Removida a justiça, o que são os reinos, senão um bando de ladrões”, já dizia Stº Agostinho.
Professor de Antropologia na UNEB, na Visconde de Cairu, na Faculdade 2 de Julho. É membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris. Colabora nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro.