D. Edvaldo G. Amaral 22 de fevereiro de 2007

No próximo domingo, estará começando oficialmente a maior festa popular da cultura brasileira. Digo “oficialmente” porque na verdade, já começou há algumas semanas atrás. O que eu nunca entendi, nem nunca entenderei, é que nosso carnaval tenha algo a ver com a festa da Páscoa, a maior festa do calendário litúrgico. E é porque o santo tempo da Quaresma, com seus 40 dias de rigor litúrgico, iniciados com a Quarta-feira de Cinzas, que determina os tais três dias da festa pagã.

E então pergunto: Que tem a ver essa comemoração com o santo tempo da Quaresma? A resposta é óbvia: nada, absolutamente nada! O carnaval talvez nasceu de uma festa que os cristãos dos primeiros séculos celebravam na chamada terça-feira gorda, com abundante refeição de carne, quase despedindo-se dela. Seria em bom latim “carnis, vale”! – adeus, carne – que originou o nome carnevale e daí, carnaval. Alguma festinha celebrava o final do tempo comum do ano, porque no dia seguinte iria começar, o que hoje se chama a “quarta-feira ingrata” com um rigoroso tempo de jejum, abstenção de carne e penitência por quarenta dias, até o início da Semana Santa. Acontece que nem existe mais esse jejum de 40 dias, nem os cristãos se despedem de comer carne, nem os que fazem carnaval – hoje com alguns elementos das bacanais romanas – têm nada a ver com o tempo quaresmal, que talvez nem conheçam. Quem faz carnaval não faz Quaresma e quem faz Quaresma não faz carnaval.

Então, como se explica que o calendário litúrgico da Igreja venha a fixar a data dos três dias de folia? Trata-se do maior absurdo possível, que as pessoas nem conseguem compreender. A única explicação é que estamos diante de uma mera inércia histórica, dessas coisas que ficam, porque ninguém tem coragem de mudar.
Há dois anos, o diretor da Liga Independente das Escolas de Samba, sr. Hiram Araújo, defendia num jornal do Recife a escolha de um dia fixo para a celebração da folia. Equivocadamente, ele dizia que “a idéia vem ganhando adeptos nas agremiações carnavalescas, mas esbarra numa força superior: a Igreja Católica, que determinou o calendário da festa sempre 40 dias antes da Páscoa.” Na verdade, a Igreja não tem absolutamente nada a ver com isso. Seu calendário fixa a Quarta-feira de Cinzas, não o carnaval.

Ainda espero que um dia o bom senso venha a prevalecer e se faça a separação entre a festa dos foliões e o tempo litúrgico da Quaresma que nos leva à Páscoa.

(*) É arcebispo emérito de Maceió.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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