Neste final de ano, presenciei duas cenas.
Na primeira, a criança que, durante o ano, esperava do Papai Noel um brinquedo eletrônico, ansiosa abria o pacote, no dia de Natal. Em dez minutos, tinha acabado o fetiche. Abandonou-o trocando por uma garrafa pet vazia que produzia surpresas nos sons, nas evoluções, dentro e fora da casa, com uma ou muitas pessoas, porque não vinha programada.
Na segunda, uma mãe que não aceitou o celular anterior do filho porque era resto – achava isto até uma desconsideração -porque não tirava fotos e não tinha um design moderno. Faz um mês e, até agora, não fez uso dele nem uma vez, não tirou nenhuma foto e seu lugar preferido é o armário. A fantasia não era exatamente a necessidade de comunicação.
Fiquei pensando se o filósofo não tinha razão – O ser humano é um construtor insaciável que se compraz mais com o processo de busca do que com sua realização. A chegada lhe parece receita, fim, rotina, domesticação, velhice, morte…, enfim, coisa para formigas, carneiros ou peças. O mais próprio de sua natureza seria a desobediência, a desordem, a mudança, o caos, a insatisfação, a informalidade, a conspiração… Afinal, o objetivo da vida seria caminhar e… se aborrecer com a chegada.
A esperteza de quem visa o lucro é “convencer”, através de um sistema bem montado de “educação”, que a sede infinita das pessoas se sacia com a posse de conquistas concretas, hoje. Por isso, o pragmatismo e, não os sonhos, passa a ser o horizonte do ser humano. A experimentação do aqui e o agora é o que interessa, utopia é coisa para dinossauros. Até a espiritualidade “moderna” deixa de ser a contemplação da VIDA acontecendo, para ser a adoração de um ídolo aprisionado, pressionado para realizar necessidades reais ou fabricadas. Uma marca de tênis fala que ela não vende calçados, vende emoções. Como toda emoção é rapidamente finita, o comércio que não visa à realização das pessoas, empurra avalanches de emoções, que viram compulsão, acúmulo… e frustração. Diante do cavalo de Tróia, o profeta Laocoonte alertava: eu temo os gregos e todos aqueles que me trazem presentes. Se a fome de comida é finita, a fome de beleza é infindável…
Numa sociedade onde as pessoas ainda não foram totalmente corrompidas pela “civilização”, ainda que possa ser mais incerta, continua mais saboroso o risco de andar em cima de uma pergunta, de agir como se tudo dependesse de nós e de caminhar como se víssemos o invisível, crentes numa certeza que não vemos. A necessidade objetiva de firmar o pé numa pedra é apenas o momento enquanto se busca outra pedra para encarar a dinâmica, insaciável e infinita travessia da vida.
janeiro de 07.