Dentro de duas semanas estaremos imersos no tempo do Advento que objetiva ser uma preparação litúrgico-espiritual para o Natal, enquanto celebração da vinda e Encarnação de Cristo. O Advento corresponde a um dos pólos do ciclo litúrgico : Natal e Páscoa permeiam o calendário litúrgico da Igreja Católica. Aquele que nasce tem uma vocação que é a de ser Redentor, isto é, pela sua morte vai redimir, resgatar, religar a humanidade afastada das suas origens. Nessa perspectiva, as duas dimensões se tocam e se unem : Ele vem para nascer , morrer e para viver novamente na esperança da Páscoa.
O Advento, portanto, celebra a vinda do Cristo no tempo e na história – é por isso que, nesse contexto, se fala em História da Salvação.
Do mesmo modo que a Bíblia usa antropomorfismos para falar de Deus : Deus abre as suas mãos sobre seus filhos, Deus viu que tudo era bom, Adão e Eva se espantaram ouvindo os passos de Deus, assim também a Liturgia usa apropriações que vêem de outras culturas para manifestar a sua verdade. Em grego “advento” se chama Parusia e significava a vinda anual da divindade ao Templo para visitar os fiéis. No mundo romano significava a vinda de algum personagem importante mas com atributos divinos – nesse contexto , fala-se no “adventus Augusti”, isto é, na vinda de Augusto, imperador – não havia um limite claro entre o humano e o divino com relação aos imperadores no contexto romano. No âmbito cristão o Advento significa a vinda de Cristo, o Messias esperado, na carne humana – portanto, Advento, Natal e Epifania ( que no mundo bizantino é a festa de Natal) têm uma seqüência natural.
O Advento cristão, historicamente falando, tem origem no Oriente cristão : o mistério do nascimento, apresentação aos Reis Magos e Batismo, tudo era concentrado numa única festa chamada de Epifania, isto é, a festa da Manifestação ou Apresentação aos Povos e Nações, representados pelos Reis Magos.
Estava bastante difundido no Império Romano o culto ao deus sol – era um culto relacionado com o solstício de inverno.Um dos sinais desses antigos cultos que povoaram a Roma dos primeiros séculos do cristianismo, é o templo de Mitra, deus iraniano da antiga Pérsia (atual Irã) e que foi incorporado aos cultos romanos – há no subsolo da igreja de S. Clemente, perto do Coliseu, um templo dedicado a esse culto. E a Igreja Cristã quis ir cristianizando essas festas pagãs dando-lhes títulos e vivências que correspondiam à teologia cristã – desse modo, o culto ao “deus sol invicto”, celebrado nos dias do que seria mais tarde a comemoração do nascimento de Cristo, a Igreja substituiu pela data do Natal, que, como estamos vendo, não é uma celebração que corresponde a uma data histórica, mas simbólica.
E o Advento cristão tem uma história até chegar aos nossos dias. Na Gália e Espanha ele sofre a influência oriental chegando o batismo a ser realizado na Epifania precedido de uma preparação. Stº Hilário de Poitiers (+ 360) fala nas três semanas para a Epifania e elas começavam de 17 de dezembro a 6 de janeiro. No final do século V, na Gália (Tours) já há 40 dias de preparação para a Epifania ” o início se dava na festa de S. Martinho (11 de novembro). Muitas vezes se encontra nos manuscritos antigos o Advento comparado à Quaresma – ambos tempos fortes de preparação para os dois pólos nos quais gira a teologia cristã :Natal( Epifania) e Páscoa. Por isso mesmo, falava-se em “quaresma de S. Martinho” ou “quaresma de inverno” ( por causa do paralelismo dos 40 dias da quaresma). Mas a instituição litúrgica do advento já tem vestígios no final do século VI. O Papa S. Gregório Magno (+640) reduziu para 4 semanas aquele período. A liturgia galicana tinha um caráter penitencial, por isso era omitido o cântico do glória e do aleluia e a cor litúrgica já era o roxo. No século XII esse costume foi assimilado pela liturgia romana – o glória ficou reservado à festa do Natal mas o aleluia foi introduzido e se conserva na liturgia até os nossos dias. O Concílio Vaticano II lembra que o Advento é marcado por duas características : 1ª) Tempo de preparação para a celebração do nascimento de Cristo; 2ª) Mas também é tempo de expectativa da segunda vinda de Cristo. A liturgia desse tempo convoca os fiéis a uma vigilância na fé, na oração e a reconhecer os “sinais” da vinda de Cristo que estão dentro e fora de nós – a palavra chave é “metanoia” , palavra grega que é usada normalmente na linguagem cristã, significando a busca de conversão, no espírito do profeta João Batista que teve como missão “preparar os caminhos do Senhor”.
A liturgia do 1º domingo do Advento, ano C, na primeira leitura diz na palavra de Jeremias, profetizando sobre o Cristo:
“Eis que dias virão em que farei cumprir a promessa de bens futuros para a casa de Israel e de Judá. Naqueles dias , naquele tempo, farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra.”
Professor de antropologia na Uneb, na Cairu e na Faculdade 2 de Julho. Membro do IGHB, da Academia Mater Salvatoris. Coopera nas Paróquias da Vitória e de S. Pedro.
Obs:Imagem de Claudio Pastro: O Sol que vem do alto