Paulo Rebêlo 3 de novembro de 2006

Atualmente, não sei do que tenho mais medo: viajar de avião ou abrir a internet e ler sobre mais uma aeronave que caiu. Desde antes do vôo 1907 da Gol, eu já tinha vários motivos pessoais para não simpatizar com viagens de avião, como pode ser visto nas duas últimas crônicas disponíveis neste espaço. Penso cá com meus botões que, a partir de agora, mesmo em vôos domésticos precisarei chegar duas horas antes do embarque: meia hora para o check-in e uma hora e meia para encher a cara de uísque no bar do aeroporto. Só assim para ficar a viagem inteira desacordado sem depender de substâncias químicas que fazem mal à saúde. Uísque pelo menos tem o malte.

Poucos dias antes do vôo 1907, eu estava fazendo uma pesquisa na internet sobre viagens de avião no leste europeu e, admito, fiquei impressionado com a quantidade de aviões que simplesmente caem, sem explicação aparente, na Rússia e em lugares distantes que eu sempre quis visitar. Quem lembra do Fokker-100 da TAM? Pois é, fabricação russa. O Boeing da Gol caiu, poucos dias depois caiu outra aeronave menor no Mato Grosso, outro avião da Gol derrapou na pista em Congonhas (sempre Congonhas, é incrível), um avião explodiu ao pousar na Noruega e, enquanto escrevo esta crônica, leio sobre um avião da FAB que também caiu há poucos dias no Brasil.
Os engenheiros sempre me disseram que, estatisticamente, os ares são o meio mais seguro de transporte. Não sei se esses caras estão repensando as estatísticas. Exageros à parte, o fato é que o fator psicológico é muito pior. Se a gente já acha que o mundo está perdido, agora com avião caindo toda semana parece que não é apenas o mundo que se perdeu, mas os deuses também – e eles não devem estar loucos, como prega o excelente filme sul-africano de 1980.

TREM e ÔNIBUS –

Do topo da minha ranzinzice, eu poderia dizer que não viajaria mais de avião, apenas de trem e ônibus. Sinceramente, acho que a solução é não viajar mais. No Brasil, trem é uma piada, ou melhor, na verdade é uma expressão mineira que equivale a “coisa” no Nordeste, ou seja, trem é qualquer coisa – menos trem de verdade.
Na Europa, viajar de trem parece romântico e bucólico para quem está no hemisfério sul, mas a verdade é que quase toda semana tem um trem se estraçalhando em algum lugar do continente. E não acontece apenas nos países pobres europeus, mas também nos ricos: Alemanha, França, Áustria etc. Não é preciso nem ler os jornais europeus, vários desastres de trem são publicados nos grandes portais brasileiros na internet. Os jornais não publicam por falta de espaço e por critérios óbvios, já que viajar de trem no Brasil é piada do tamanho de um trem.
Sem contar que, apesar do pseudo-romantismo pregado pelo cinema, viajar de trem é desconfortável, relativamente caro, a comida também é ruim e você nunca encontra aquelas lindas mulheres solitárias no vagão destinado ao bar.

Sobrou ônibus. Eu tenho pavor de viajar de ônibus, medo mesmo. Na verdade, tenho medo de que qualquer coisa onde eu não consiga enxergar onde vai dar, que eu não veja para onde vai a estrada. Viajar de ônibus, para mim, é como dirigir um carro sem óculos em plena tempestade, ou seja, um convite ao suicídio.
Tenho meus motivos. Não sou caminhoneiro, não me chamo Jorge e não pareço nem um pouco com o Carlos Alberto Ricelli. Mas, já rodei por boa parte deste Brasil varonil de carro, dirigindo, milhares e milhares de quilômetros de norte a sul. E sempre que pego a estrada, fico impressionado com a quantidade de motoristas de ônibus suicidas. Principalmente à noite, esses caras parecem jurar que todos os passageiros são parentes do Bruce Willis no filme “Corpo Fechado” (Unbreakable, 2000).

E a situação piora. Motorista de ônibus interestadual e caminhoneiros são homens, ao menos em 99% das vezes. Resultado: quando um caminhão e ônibus ficam emparelhados, um querendo ultrapassar o outro, aquele sentimento “macho” de “eu sou mais foda que você” parece que se acentua nessa galera e pronto, começa uma briga infernal nas estradas e os carros pequenos que procurem um acostamento. Como a maioria das estradas vicinais no Brasil não têm acostamento…

Acho que, solução mesmo, é ficar em casa e não viajar. Depois que inventaram o Google Earth, você conhece o mundo inteiro em alguns cliques de mouse, abre uma garrafa de uísque e ainda pode dizer: hoje à noite vou ficar bêbado em Paris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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