Notas de viagem ao Togo e ao Benim -Parte III

Conversei, também, com outro religioso que tem dez cicatrizes no rosto, e é exatamente o sinal de uma etnia que pertence ao culto de pitom, a serpente sagrada. Mesmo sendo batizado, a família faz essas tatuagens nos filhos ainda bebês, para lembrar que esse sinal era particularmente utilizado na época da escravidão, evitando a captura dessas pessoas por mercadores de escravos; a cicatriz nessa etnia tem também o sentido de liberdade.

Estava havendo no mosteiro de Dzobegan um curso para jovens monges de outras casas, ainda em formação; é o chamado “studium”, e, nessa ocasião, pude conversar com os monges do Zaire, Congo, Tchad (Ele falou-me sobre os problemas da guerra) e do Camerum. Em todos esses conventos, além do de Dzobegan, sente-se vivamente um desejo de responder às necessidades locais e de falar a linguagem do povo, não somente adotando as línguas regionais na liturgia, como assumindo os valores culturais, os gestos, etc.

Visitei o mosteiro das monjas, chamado de Assunção, que está a 1 km do mosteiro dos monges. Foi fundado há mais ou menos 35 anos e tem também a mesma eflorescência de vocações nativas. Falei para a comunidade e as pessoas fizeram muitas perguntas sobre o Brasil, em geral, e, sobretudo D. Hélder. É incrível, pois ao passar por esses lugares, bastava dizer que era do Recife e todo mundo perguntava por ele. Quando falava, as monjas riam muito, quase às gargalhadas (talvez fosse por causa do francês mal falado). Participei da missa com elas, que é bem cantada e acompanhada com instrumentos típicos. Voltando ao mosteiro dos monges, pude conversar com outro irmão africano da família “de Souza”. Há muitos membros de Lomé e até um bispo, no Benin, com esse nome de família. Eles têm uma espécie de bibliografia do patriarca que se chamava D. Francisco Félix de Souza, que nasceu na Bahia em 1754, de origem portuguesa. Ele foi governador militar em Ouida, no Benin, onde está sepultado. Até hoje existe um quarteirão que se chama Brasil.

Esse patriarca tornou-se muito rico, porque se envolveu com o tráfico de escravos. Depois se desentendeu com um rei africano de Abomé, e terminou na prisão. Mas como era muito astucioso, conseguiu que o irmão do rei o soltasse, prometendo dar-lhe armas para tomar o poder. Ele foi bem sucedido na sua empresa. O novo rei, em agradecimento por essa gentileza, deu-lhe um título de honra, isto é, “Chacha”, que até hoje o líder da família adota como lembrança dos antepassados.

Prof. da UNEB,da Fundação Visconde de Cairú, da UCSal, e da Fac. 2 de Julho.
Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Savatoris.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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