Notas de viagem ao Togo e ao Benim – Parte II

Conversei também com outro religioso que é o único cristão da família. Ele tem um tio, um grande sacerdote, tradição preservada por várias gerações; ele, o religioso, era destinado a essa função. Tive a oportunidade de entrevistar aquele sacerdote quando o visitei, acompanhando-me o religioso que serviu de intérprete. Antes de chegar na sua residência, precisamos fazer um ritual: tirar a camisa, arregaçar as calças até o joelho, e cobri-la com uma fazenda colorida, ao estilo africano, tirar os sapatos e o relógio, pois objetos industrializados, sejam de uso pessoal ou não, não devem ser usados nesse ambiente de culto. Chegando lá, fomos recebidos pelo tio, que naquela área tem a função de sacerdote purificador, pois existem outras funções. Seu objetivo é velar pela vida moral do povo e muita gente vem “fazer consulta” sobre a vida, a saúde; ele conhece muitas ervas medicinais. Ficamos sentados na terra, numa esteira, o que é um sinal de submissão, e ele sentou-se numa cadeira que é considerada a cadeira dos ancestrais. Quando ele chegou, ficamos de joelhos, com a cabeça inclinada, fazendo um gesto de saudação e de oração: o dorso da mão direita bateu várias vezes conta a palma da mão esquerda, enquanto ele pronunciava uma oração. Apresentei-me dizendo que era um brasileiro, e ele logo começou a falar da escravidão, mostrando que conhecia bem o problema dos seus antepassados. Ele, também, disse que sua função era semelhante à dos padres, pois devia rezar, comunicar-se com Deus, ouvir os problemas do povo e dar conselhos. Lembrou-se, também, de uma festa realizada em setembro último, que comemora a vinda do fogo, outrora conservado sempre aceso e que é também uma festa de purificação. Na véspera, todas as pessoas, com um tição na mão, depois de ouvir, depois de ouvir o grito de ordem do sacerdote, purificaram a casa dizendo: “Sai doença”. Também é de uso fazer abluções no grande lago de Togoville, pois o grande sacerdote visitado mora às margens desse lago, que é muito importante para a vida do povo. Esta família sempre impediu o tráfico dos escravos, e as jovens filhas iniciadas nos costumes da tribo tinham tatuagens como sinal de consagração. Por causa disso, as jovens mesmo as não iniciadas, vinham “tomar” esse sinal, para ficarem livres da escravidão, pois os mercadores tinham medo dos castigos dos deuses se vendessem uma pessoa consagrada.

Existe uma tradição que “o rei vem sempre de Togoville” e consiste na eleição de um ancião (75 ou 80 anos), escolhido para deixar a cidade, a família, tudo, e ir habitar na floresta sagrada; ele não pode desistir ou renunciar a essa função. Sua principal tarefa é rezar pelo povo. Antes de partir, há uma celebração comovente: ele entoa um canto e o povo responde: “Eu me vou para jamais voltar”. A tradição diz que o rei deve morrer, pois, como já é muito idoso, ele está destinado a terminar seus dias alí na floresta, onde é sepultado. Nessa ocasião, vi a árvore do baobá, que é imensa, e que compõe bem a paisagem africana. O africano é cheio de provérbios e ditos, que compõem sua literatura oral. Há um dito sobre o baobá “A sabedoria é como o baobá: a gente não pode abraçá-lo com as duas mãos”.

Prof. da UNEB,da Fundação Visconde de Cairú, da UCSal, e da Fac. 2 de Julho.
Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Savatoris.

Obs: Imagem retirada do livro do autor – Sincretismo Religioso Africano e Brasileiro –

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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