Notas de viagem ao Togo e ao Benim – Parte I
Comecei a escrever estas notas no avião que me conduziu de Zurique a Lomé, capital do Togo. Minha viagem a esse país teve por objetivo comparar o sincretismo religioso brasileiro com o africano. Foi justamente do Togo e do Benin que partiu a maior parte dos escravos destinados ao Brasil. O avião fez escala em Alger, onde a paisagem é tão árida como a do nosso Nordeste. Depois veio a travessia do Saara, que durou uma hora. Do alto pudemos ver como os oásis são um presente da natureza às caravanas.
Cheguei a Lomé após quase um dia de viagem. Hospedei-me com os padres Combonianos, em sua missão de Kodzoviakopé, perto do centro da cidade e a 300 metros da fronteira com Ghana. No dia seguinte, encontrei dois monges beneditinos que vieram a Lomé para compras e convidaram-me a visitar seu mosteiro, que se chama Dzobegan e fica a 180 Km, num rico planalto de 850 metros de altitude. Levamos quatro horas para chegar, devido à longa subida e ao excesso de peso na viatura.
O mosteiro é belíssimo apesar de muito simples. Há uma grande hospedaria, que deve ser aumentada por causa da demanda. A igreja parece uma grande palhoça e o altar é um grande bloco de pedra local. Nos bancos, esculturas africanas. As orações são bem cantadas e, às vezes, ritmadas com tambores (aqui denominados tam-tam) e uma espécie de violão, chamado korá, proveniente do Senegal. Formado um semi-circulo, atrás da Igreja, está o mosteiro; em outro bloco estão a cozinha e o refeitório, utilizado também pelos hóspedes. Esse planalto é bastante fértil; cultivam-se o café, principal meio de vida do mosteiro, assim como a mandioca, milho, mamão, maracujá, manga, jaca. Há, também, uma vacaria, criação de coelhos e galinhas. No mosteiro foi organizado, também, um dispensário para velar pela saúde da população vizinha. Para beber foi aproveitado um curso d’água, que passa vizinho, sendo construída uma pequena barragem com sistema de filtragem. Para a construção do mosteiro, foram aproveitadas as pedras da região. Cada apartamento tem um pequeno terraço que dá para o jardim externo, e onde se pode ler, olhando a natureza. Nesse mosteiro, a pessoa sente-se no Brasil, pois, além dos produtos já citados, come-se normalmente feijão com farinha.
Aproveitei para conversar com os religiosos africanos, e cada um representa a descoberta de um novo mundo, pois há aqueles que se converteram ao cristianismo depois de adulto, sendo que a família permanece ligada aos cultos tradicionais, e outros vêm de família polígama (38 irmãos e o pai teve ou ainda tem duas ou três esposas). Com eles, descobri as particularidades da religião africana, pois vivenciaram essa experiência social e religiosa. No Togo, há mais de 35 etnias, cada uma com sua língua, mas, para efeito de comunicação, o governo adotou, além do francês, duas outras línguas: O Ewe no sul e o Kabiye no norte.
Um dos religiosos falou que a importância da iniciação é tal que a pessoa só se considera plenamente homem ou mulher depois que passa por essa experiência. Ele refere-se ao culto especial a uma divindade das águas chamada Mami-Watá; é um culto independente do vodu, que é o culto principal. Essa divindade, quando aparece a um homem, tem forma de mulher e vice-versa, e veste-se de branco. No dia de sua festa, reúne-se grande multidão, e as sacerdotisas com o busto nu, tendo na mão um tridente, correm de um lado a outro da praia tentando escutar o convite da divindade. Quando o ouvem, atiram-se ao mar desenfreadamente, mas já há pescadores espreitando esse momento, indo salvá-las. Elas geralmente voltam meio desmaiadas e em transe. Aqui se encontra certamente a origem da noss á. Também falou de pitom, a divindade serpente.
No antigo reino de Abomé (Benim), o símbolo do tempo é uma serpente que mordia a cauda; é o tempo circular. E a serpente é considerada divindade por causa dos serviços prestados aos homens. Num determinado momento, quando uma família tentava escapar de uma perseguição, evidentemente deixava as pegadas na areia, e a serpente vinha para apagá-las e confundir os perseguidores. Nessa região de culto, não se pode matar uma serpente e quando são encontradas mortas fazem-se os funerais, como para uma pessoa sagrada. Desde cedo as crianças são iniciadas a ter intimidade com as serpentes, e ainda “de braços” já brincam com elas. No grupo Kabiyé, cada chefe de família é um sacerdote doméstico, um sacrificador. Para os cultos oficiais, vai-se ao grande sacerdote, que faz seu culto em bosques sagrados e ao lado de Lomé existe a famosa floresta sagrada de Bé. Com relação à caça, por exemplo, não se pode matar um animal que está bebendo água, pois esta é um elemento vital, sagrado, e não se pode introduzir nela a morte, assim como um animal prenhe não pode ser morto.
Prof. da UNEB,da Fundação Visconde de Cairú, da UCSal, e da Fac. 2 de Julho.
Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Savatoris.
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Obs: imagens retiradas do livro do autor ( Sincretismo Religioso Africano e Brasileiro)