Prof. da UNEB,da Fundação Visconde de Cairú, da UCSal, e da Fac. 2 de Julho.
Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Savatoris.
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O texto do dilúvio ( Gn.6-9) retoma tradições bem anteriores e largamente espalhadas no antigo Oriente, para daí tirar um ensinamento religioso. Poemas babilônicos, podendo ser datados de 3.000 a. C., e das quais há muitas versões posteriores, descrevem, em torno de um herói chamado Gilgamesh, os episódios de um dilúvio universal .Pode-se ver aí a maior parte dos traços da narração bíblica: decisão de destruir a humanidade, ordem ao herói de construir um barco e de lá salvar os animais, liberdade para os pássaros, sacrifício e bênção final.

Retomando a tradição babilônica, isto é, a lembrança de um cataclismo local, os autores bíblicos atribuem a causa do dilúvio não à inveja dos “deuses”, mas ao julgamento levado pelo Deus único à humanidade( Gn. 6,5) . No meio de uma humanidade pervertida, Deus escolheu Noé, por ser justo, para salvá-lo, juntamente com a sua família, e para permitir à humanidade um novo começo, um novo ponto de partida. Deus Criador conclui com ele uma aliança, que tem por causa e razão a proibição de se alimentar do sangue, sede de vida. E como símbolo de aliança é criado o arco-íris, sinal da paz após a tempestade( Gn.9,17).

O dilúvio representa uma eterna metáfora da civilização ou da humanidade em perigo, na qual o castigo e a salvação, independente dos elementos da fé, da salvação, e mesmo da fantasia humana, são como um cenário às grandes escolhas impostas ao ritmo de desenvolvimento do nosso tempo.
Destruição e nova criação, castigo e salvação, erros e monstruosidades a abandonar nas ondas, uma nova ética e conhecimento para guardar na arca da nova criação que virá após esse acontecimento- tudo isso é sinal de que surge um novo saber. As implicações simbólicas do dilúvio universal tornam-se o prelúdio a uma nova viagem de conhecimento que, conjugando a pesquisa histórica à percepção das dificuldades globais contemporâneas, ajuda a refletir sobre as grandes escolhas que espera a vida humana sobre a Terra.
A arca bíblica , na qual Noé reúne todas as espécies animais, é símbolo e metáfora salvífica de uma biodiversidade ameaçada pela agressão do homem.

O mito do dilúvio aparece em grande parte das civilizações do mundo antigo, e descreve invariavelmente, um processo de criação que, para chegar à sua plena realização, deve atravessar uma fase de violência destruidora e, ao mesmo tempo, restauradora. Aqui a dimensão do termo mito vem de Mircea Eliade, isto é, ele liga o presente ao passado, no sentido de buscar as origens: “mito é um acontecimento ocorrido no tempo primordial”.
Desse modo, pode-se constatar que já nos antigos códices astecas, e ainda mais na arte ritual pré-colombiana, há referências à destruição e à “ressurreição” dos filhos do céu. A epopéia de Gilgamesh, esse famoso conto dos sumérios, especifica no dilúvio a punição divina aos homens que fazem ” muito barulho”.
Tudo isso chegou à tradição judaica, testemunhado pelas primeiras páginas do Gênesis ( 9, 18 ) que insiste na ira do Senhor Deus Criador na direção de “uma Terra cheia de violência”, mas, ao mesmo tempo, há um apelo ao renascimento, há um convite à mudança.
Essas palavras remotas, esses contos que se perdem no tempo, e que estão no inconsciente coletivo da humanidade, repercutem na consciência do nosso tempo, advém do alarme de uma ciência que, no modelo do atual desenvolvimento ( ao lado das inegáveis conquistas e dos inimagináveis benefícios), entrevê a premissa de uma catástrofe climática.
Daí vem o progressivo esquentamento da superfície terrestre, atribuído ao monóxido de carbono, produzido pela combustão de carbono e petróleo, assim como o fatídico “buraco de ozônio” causado pela emissão de clorofluorocarbono. Tudo isso representa as novas e temíveis ameaças, como armadilhas do homem contra o próprio homem.

O dilúvio permanece como um alerta a essa tendência da humanidade a passar de geração em geração essa célula destruidora capaz de multiplicar fenômenos mortais, como fome, seca, desflorestamento, furacões, enchentes, etc., que já atingem áreas crescentes do planeta.
As relações do homem com a natureza são tão antigas quanto a própria existência da humanidade. Ultrapassada a fase da harmonia ingênua, “primitiva”, do homem com a natureza, prevalecendo uma interferência nos ecossistemas apenas no sentido de sobrevivência, surge o homem social. Ele está associado ao processo civilizatório, no qual conceitos de maior rendimento, como as atividades de pastoreio e agricultura, passaram a produzir significativas alterações no relacionamento homem-recursos. A urbanização surge como um drástico agente de transformação dos ecossistemas, trazendo situações externas que alteram profundamente o equilíbrio da biosfera.
Na Antiguidade a preocupação com as questões do meio ambiente já se encontram expressas no Pentatêuco, quando no início da criação vemos o Deus Criador recomendar aos primeiros homens que preservem o mundo em que os colocou. Podemos dizer que as primeiras noções sobre biodiversidade e a preservação das espécies animais são encontradas quando Noé leva para a Arca os casais de cada espécie. É ainda na referida Arca que aparecem os primeiros registros sobre o lixo na medida em que um andar inteiro era reservado para essa utilização. No livro do Deuteronômio cap. 20, 19 já aparece a proibição do corte de árvores frutíferas: “Quando tiveres que sitiar uma cidade durante muitos dias, antes de atacá-la e tomá-la, não deves abater as suas árvores a golpes de machado – alimentar-te-ás delas sem cortá-las”.
Por todas essas razões expostas, fica patente a necessidade de preservar a natureza, até por instinto de sobrevivência do homem.
Do contrário, estaríamos à beira de um outro dilúvio, e talvez não houvesse mais tempo de salvar na arca as espécies animais e vegetais ainda existentes.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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