Duas notícias me chamaram a atenção nos últimos tempos – Bill Gates, talvez a pessoa mais rica do mundo, deixa a direção da Microsoft para dedicar-se à projetos sociais; a Votorantin que polui o Rio Paraíba com sua fábrica de celulose patrocina ONG ambientalista para limpeza do mesmo rio.
Há quase uma onda nisso que se autodenominou responsabilidade social. As vantagens são claras – uma boa imagem da empresa (o que dá lucro) e isenção no imposto de renda. Assim, quase todos os bancos que, nos últimos anos, tiveram lucros exorbitantes, apressaram-se em criar suas fundações para projetos de solidariedade.
Lembrei-me da irmã que, pela primeira vez, na aula de catecismo, lá pelos anos 50, explicava o que era solidariedade ¿ um ato gratuito, que ninguém vê, mas que torna as pessoas felizes. Por exemplo, se você vê uma casca de banana, na calçada, você junta – evita que uma criança desatenta escorregue e caia. Ou quando alguém vai ao banheiro e o deixa limpo ¿ quem quer que seja a próxima se sentirá feliz.
Como tudo, a solidariedade, em tempos pós-modernos, também evoluiu (ou esvaziou-se?). Foi virando piedade, “caridade”, assistencialismo e, agora, virou sócionegócio: ganhar dinheiro cuidado dos pobres. Fala-se em mais de 200 mil ONGs, só no Brasil, que, conscientes ou não, dedicam-se a esse negócio. A imagem que me acode é a dos navios negreiros orgulhosos de abastecer e sustentar, com capacitados cidadãos, o mercado capitalista.
É inevitável recordar S. Gregório de Nissa, 330 p.C., que na sua santa ira dizia: “Talvez dês esmolas. Mas, de onde tiras, senão de tuas rapinas cruéis, do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde vem o teu óbolo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a carne de seu irmãos e sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que reclamaste dele e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes outros cem?”
Oscar Wilde, que não era santo, contundente afirma que muita gente “por força de um altruísmo doentio… atira-se à tarefa de remediar os males que vêem… Mas, seus remédios não curam a doença: só fazem prolongá-la. De fato, seus remédios são parte da doença… É imoral o uso da propriedade privada com o fim de mitigar os males horríveis decorrentes da instituição da propriedade privada”. (“A alma do homem”, 1895)
Agosto de 2006.