A Universidade Católica de Pernambuco promoveu de 5 a 9 do mês de maio de 2003 uma Semana Teológica, com o tema geral: Religião: promotora da Paz ou da Violência? Tema desafiador mas, no contexto atual da História, de suma atualidade. Foram escolhidas para um estudo mais aprofundado, no âmbito da história das Religiões as três grandes religiões monoteístas, ou as assim chamadas “religiões do Livro”: o cristianismo (em todas as suas formas, católica e outras), o judaísmo e o islamismo.

No primeiro dia, 5 de maio, ficou bem claro pelo Prof. João Luiz, da própria UNICAP, substituindo o orador convidado, que não pôde comparecer, que todas as religiões pregam, buscam e promovem a paz. Ao longo da História, tem acontecido não há negar que as instituições religiosas, em certos momentos, promoveram a violência. As”¿guerras de religião”, que tanto ensangüentaram a velha Europa, sobretudo no final da Idade Média e começo da Idade Moderna, foram promovidas pela intolerância religiosa, muitas vezes em nome de Deus acobertando interesses políticos, econômicos ou de grupos em luta pelo poder. A religião serviu de falso manto para as ambições humanas.

Na terça-feira, dia 6, a palestra foi proferida pela Profª Mônica Udler Cromberg, da USP (S.Paulo). Com rara felicidade e profunda competência, tratou o tema “O espírito do Judaísmo e o Judaísmo sem espírito”.
Sua conferência movimentou-se em torno de dois pólos: a decadência e a alteridade. Reconheceu períodos de decadência no judaísmo, motivada por causas diversas e em pontos variados do mundo, mesmo que não em toda a parte. Analisou essa decadência como a falta de fidelidade ao espírito autêntico do judaísmo. A alteridade, foi considerada pela Profª Cromberg como ponto básico do que ela chama a “tradição judaica”. É o famoso texto do Deuteronômio: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as suas forças. E ao teu próximo como a ti mesmo”.

Dizia a conferencista que a tradição judaica jamais admitiu rejeitar, humilhar e oprimir o diferente. Toda alma humana é proveniente de Deus. Nisso somos todos iguais. É a centelha divina em nós na doutrina da centelha sagrada. Ela dizia que o mal é o bem, que ainda não foi redimido. Tudo é divino, tudo é bom, tudo é sagrado afirmava com entusiasmo. O amor ao próximo vigora apesar de tudo e para todos. O amor é incondicional.

Sobre Jesus, ela emitiu alguns conceitos, surpreendentes e inteiramente originais para o auditório da Católica. Citando o famoso rabino Martin Bruber afirmava que a surpresa dos ouvintes: Jesus veio para dinamizar o judaísmo. O que Jesus afirmou não difere em nada do verdadeiro judaísmo. Aceitar Jesus como Messias como alguém lhe interrogou não seria o fim do judaísmo, mas sim um novo começo, o começo do verdadeiro judaísmo.
O judaísmo, ainda afirmou ela, é comunitário. Não pode conceber uma forma de vida religiosa, como o monaquismo. Sua missão é ser intermediário de Deus.
Disse ainda a Profª Mônica Udler que pessoalmente não considera a existência de um Estado judeu necessário ao judaísmo. É irrelevante para o espírito do judaísmo. O judeu tem a sua identidade. Sempre a teve, independentemente de um país, uma terra concreta, que seja sua… E ainda acentuou: Quando falta o espírito, então o judeu se apega ao material, a uma terra concreta. De qualquer forma, ela disse que poderia admitir uma terra para os judeus, sem expulsar outros, sem violar direitos adquiridos por séculos por outros povos.
Instada a definir o que é judaísmo, afinal, em que consiste ser judeu, ela respondeu: “O Judaísmo é uma tradição revelada por Deus, desde Abraão.” E nesse sentido, ela concluiu advertindo – que não pretendia fazer polêmica – “o judaísmo, com Abraão, abrange o cristianismo e o islamismo”.
Considerei aquela conferência um belo momento do Diálogo inter-religioso, que a Igreja tanto deseja para a paz do mundo.

Recife, 9/05/2003
(Arcebispo Emérito de Maceió)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


busca
autores

Autores

biblioteca

Biblioteca

Entrelaços do Coração é uma revista online e sem fins lucrativos compartilhada por diversos autores. Neste espaço, você encontra várias vertentes da literatura: atualidades, crônicas, reportagens, contos, poesias, fotografias, entre outros. Não há linha específica a ser seguida, pois acreditamos que a unidade do SER é buscada na multiplicidade de ideias, sonhos, projetos. Cada autor assume inteira responsabilidade sobre o conteúdo, não representando necessariamente a linha editorial dos demais.
Poemas Silenciosos

Flickr do (Entre)laços
[slickr-flickr type=slideshow]