A polêmica sobre as TVs de plasma no Brasil é apenas a ponta do iceberg na desrespeitosa relação entre indústria e consumidor. Dos países subdesenvolvidos, o Brasil é historicamente um dos melhores parceiros comerciais dos Estados Unidos em vários setores da economia. Em matéria de eletrônicos e tecnologia, somos campeões de importação – não por querer, mas por necessidade. O problema é que, junto aos produtos, vem também toda uma mentalidade corporativa de que o consumidor fica por último na fila das prioridades, apesar do investimento em propagandas que dizem o contrário.
Quem quer empurrar produtos a qualquer custo, está muito mais ciente do que nós sobre as fragilidades e peculiaridades do consumidor-padrão e, sabiamente (na lógica do mercado) tira proveito da situação ao forçar tecnologias reconhecidamente falhas, muitas vezes, desde a pré-fabricação em laboratório. É na base do “se colar, colou”. E quase sempre, cola.
Televisões, memórias, processadores, equipamentos de som… tudo tem vez. Os entendidos defendem que precisa ser assim mesmo, que o consumidor apressado come cru, pois a lógica do mercado globalizado é assim. Particularmente, devo continuar sendo o ingênuo de outrora por não achar interessante uma lógica que prejudica, de propósito, milhares de ingênuos.
A tendência é piorar. A economia brasileira pode até não resolver a desigualdade social, mas, ideologias à parte, o fato é que a cada ano os setores de eletrônica e tecnologia crescem assustadoramente no país.
Tudo está relacionado: mais gente conectada, mais vendas online, mais executivos com PDAs, novos aparelhos de celulares, conexões mais rápidas e assim por diante. E, novamente, com todo o avanço, vem também a falta de respeito com quem financia essa força-motriz da economia. Os exemplos no Brasil são inúmeros, mas basta citar o tratamento das operadoras telefônicas (e de gás, energia etc.) para todos se mexerem na cadeira.
O que ocorre no Brasil nada mais é do que uma versão reduzida – e talvez ainda elitista – do que ocorre com bastante frequência nos Estados Unidos, onde todo mês produtos milagrosos são desmascarados como farsa, mas numa escala inversamente proporcional à quantidade de novos produtos milagrosos que aparecem nas prateleiras. Quem tem paciência de acompanhar os casos, perde a fé em várias empresas conceituadas numa fração de segundos.
Exemplos de produtos que enganam
Há casos tão esdrúxulos que beiram o ridículo. Vejamos alguns recentes, nos Estados Unidos. A L’Oreal colocou no mercado um xampú específico para crianças que, supostamente, faz com que o cabelo seque em poucos minutos. É que as crianças americanas, ao que parece, não gostam de tomar banho antes de dormir para não deitar com os cabelos molhados. O xampú milagroso reverte o problema fazendo com que os cabelos sequem rapidamente, devido a uma nova fórmula.
Uma estação de TV comprou o xampú, levou para fazer vários testes com crianças colocando um xampú normal e o produto da L’Oreal e o resultado foi que não houve diferença alguma. Procurada, a L’Oreal não quis comentar a reportagem. O produto continua à venda e vende bem.
Uma fabricante de jeans colocou no varejo um modelo de calça específica para mulheres. Quando usada, a Tummy Tuck Jeans causa um efeito de redução na silhueta, fazendo com que a mulher pareça mais magra. As propagandas são as mais chamativas possíveis e o jeans não é nada barato: entre US$ 80 e US$ 150.
Testes com várias mulheres realizados em Boston mostraram que a maioria não viu diferença alguma e, inclusive, boa parte precisou comprar um número maior do que o normal para usar a calça ou ficaram mais gordas. O Tummy Tuck Jeans continua vendendo muito bem entre as mulheres.
Os jornais escrevem sobre o verão de matar (literalmente) no Hemisfério Norte. O produto Auto Cool é um pequenino ventilador movido a luz solar, fica acoplado na janela do veículo. Supostamente, ele mantém “fresquinha” a parte interna do veículo, quando exposto ao calor e ao sol. Testes realizados em Phoenix não acharam diferença alguma até agora. O Auto Cool continua sendo vendido.
Todos conhecem a famosa e conceituada marca Singer de eletrodomésticos. Milhares de americanos encomendaram o “Singer Lazerstorm Vacuum” graças a uma maciça propaganda na TV sobre as maravilhas desse aspirador de pó. A maioria que pagou para receber o produto, simplesmente ficou a ver navios. Não recebeu, mesmo após um ano de pagamento feito.
Procurada, a Singer disse que não tinha nada a ver com o assunto: o nome da marca foi “alugado” para outra empresa, a Tactica, que fabrica os aspiradores e paga à Singer para usar o nome e, obviamente, conquistar a confiança dos clientes. Antes mesmo da confusão com o aspirador, a Tactica já estava sob investigação pública com a Federal Trade Commission (FTC), mas a Singer parece não ter se importado muito.
Informática é o maior filão
É impressionante como a indústria de informática manipula a gente. Se olharmos para os lançamentos de processadores e sistemas operacionais, apenas para usar dois exemplos clássicos, veremos uma ladainha tão repetitiva que, na prática, é um atestado de que a indústria considera que todos somos ignorantes.
O último modelo é sempre o mais rápido, mais seguro, mais avançado tecnicamente. Só esquecem da validade: em dois meses, vemos que não havia nada de seguro e, muito menos, de avançado. O mercado não está errado, porque continuamos a acreditar e, talvez, sejamos mesmo todos ignorantes.
( 08.08.2006)