D. Edvaldo G. Amaral 24 de agosto de 2006

Foi divulgada na mídia internacional, no final de novembro passado, uma notícia que é de estarrecer: No país da “liberdade, igualdade e fraternidade” (belos conceitos, profundamente cristãos “apreendidos” pela Revolução Francesa), duas irmãs nascidas e criadas na França, de nome Alma e Lila Levy-Omari, de 16 e 18 anos, foram expulsas de uma escola pública, (supostamente propriedade de direito dos cidadãos, que pagam impostos para mantê-la), por um motivo considerado religioso, isto é, que por serem muçulmanas, teimavam em usar na escola o hijad, o véu obrigatório para as mulheres, que professam esta religião. Vale notar que o pai delas é judeu e a mãe, argelina, católica.

Também na avançada Alemanha (que às vezes considera “primitivos” nós, os pobres latino-americanos…), uma professora primária, Fereshta Ludin, de classe média, igualmente da religião do Islam, nascida no Afeganistão, lutou na Justiça por cinco anos, para ter o direito de lecionar com o mesmo hijad. A Sra. Ludin, de 31 anos, diversamente das duas francesinhas adolescentes, ganhou nos tribunais o direito de observar simples preceito de sua fé, que evidentemente não incomoda ninguém. A justiça alemã reconheceu que não existe lei que proíba alguém dar aulas numa escola pública, usando véu.

O motivo que alegaram para proibir o véu muçulmano era que seu uso estaria violando o princípio da absoluta separação entre Estado laico e Religião. Diz a revista VEJA, dando esta notícia, que há cinco décadas um pedaço de pano também causou polêmica na velha Europa. Foi quando costureiros franceses lançaram o biquíni, aliás, diga-se de passagem, muito bem comportado, em comparação com os de hoje. Pergunto eu: se o véu é um símbolo religioso, o biquíni é símbolo de que? Se pouquíssimas pessoas católicas ainda usam véu na igreja, em funções religiosas, não é difícil, aqui mesmo no Brasil, encontrar senhas e moças, viajando de carro ou ônibus, com os cabelos protegidos por um véu.

Desconheço o alegado fenômeno de segunda geração, que, de acordo com os “especialistas” citados na revista acima referida, faz com que os filhos de imigrantes sigam sua religião com mais fervor que os pais. O que vi no Canadá foi exatamente o contrário, isto é, que os filhos dos açorianos lá imigrados não queriam saber nada do português de suas origens pobres e sim do inglês do país próspero que os havia recebido. Em nossa paróquia italiana de S. Pedro e S. Paulo, em San Francisco da Califórnia, acabaram as missas em italiano aos domingos, porque as novas gerações só sabem inglês. O mesmo encontrei em Goa, na Índia, quando lá estive em busca de padres que falassem português e só encontrei o velho Patriarca, porque todos os padres das novas gerações desconheciam o português de seus antepassados. O que posso asseverar é que a cultura de um país, economicamente poderoso, tende a impor-se a outras culturas, até milenárias, como vi no Japão, também economicamente forte. A nova geração japonesa, esquecida dos horrores nucleares de Hiroshima e Nagasaki e da destruição de sua bela capital pelas bombas americanas, hoje só pensa em imitar os padrões americanos, desde a cor do cabelo, as vestes, as músicas e outros elementos da cultura jovem.
O apego daqueles jovens ao uso do véu muçulmano, que alguns querem ver como um símbolo da submissão feminina na sociedade islâmica, não tem portanto outra explicação senão um fervor religioso e uma fidelidade a toda prova à sua religião.
O que a França, com seus 5 milhões de muçulmanos, pode fazer de melhor é deixar cada um seguir em paz e liberdade sua religião!

Recife, 16/01/2004

(Arcebispo Emérito de Maceió)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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