Paulo Rebêlo 14 de julho de 2006

Que alegria de pobre dura pouco, todo mundo sabe. Acontece que o Recife é uma cidade tão multicultural e cosmopolita (para entrar no vocabulário da panelinha) que, por aqui, alegria de rico também dura pouco. E não se trata apenas da crescente insegurança pública e o acentuado inconsciente coletivo político. É que o Recife se transformou em um verdadeiro zoológico, cujas cobaias se dividem entre ricos, pobres, favelados e magnatas.

Quem acompanha o noticiário atual, ainda deve lembrar que não tem sequer um mês quando os moradores na Imbiribeira estavam correndo de um ataque de morcegos. Levando em consideração que morcegos não atacam por nada – a não ser no cinema – a gente só pode concluir que Recife tem algo de especial. Não é difícil de imaginar um monte de gente nua pulando pela janela do Motel Continental, em plena Imbiribeira, parando o trânsito por causa de morcegos sanguessugas. Quando o repórter fosse entrevistar os pelados, certamente alguma mulher sairia com a pérola: “acho que os morcegos atacaram porque eu estava naqueles dias…”

Nos últimos dois anos, o redundante noticiário noticiou a descoberta de filhotes de jacaré nas imediações da Av. Caxangá, nos dutos subterrâneos. Como não sou arquivo público estadual, lembro apenas de umas duas ou três reportagens do gênero. Em uma das vezes, o filhote não era tão filhote assim e o Corpo de Bombeiros encontrou dificuldades de capturá-lo.

Apesar de não ser arquivo público, a famosa falta de coisa melhor para fazer me fez arquivar mentalmente dados inúteis os quais, um dia, certamente não serviriam para coisa alguma. Um desses dados é que a Av. Caxangá é a maior avenida em linha reta da América Latina, que eu duvido até hoje, mas subentende-se em uma lógica cartesiana que gente morando por perto daqueles dutos, existe um bocado.

Ao considerar que filhote de bicho não cai do céu, com exceção dos sapos de Magnólia e dos gafanhotos do capeta n’O Exorcista, parece que ninguém nunca parou para procurar as tetas-mães dos jacarés. Resultado: se um dia você estiver andando por aquelas bandas e a moedinha de um real cair no chão, ali por perto dos bueiros, pense somente uma vez antes de colocar sua suculenta mãozinha para procurar.

Quem nasceu perto de floresta, feito este signatário que vos escreve, já viu um jacaré de perto e até os filhotes são suficientes para você rever vários dos seus conceitos de que nós, seres humanos e supostamente pensantes, estamos no topo da cadeia alimentar.

Não podemos esquecer dos chamados bichos rasteiros ou rastejantes e, não, a gente não mudou de assunto e não estamos novamente falando de política. Poucas capitais brasileiras são tão igualitárias e multi-bio-culturais quanto a Manguetown, cujo bairro mais bucólico, o Recife Antigo, é um antro joinha-joinha de escorpiões, baratas, ratinhos de olhos vermelhos e outros bichos escrotos, além do popular bicho-ladrão.

Quem nunca esbarrou com um escorpião daqueles que a gente só vê em filme, ou melhor, só via em filme, que dê o primeiro clique. E quem sai para tomar uma cervejinha após o expediente nos bares, tem que pedir duas cadeiras. Uma para você e uma outra para encostar as pernas, sob o risco de uma manada de baratas (manada porque elas são do tamanho de uma vaca) começar a subir por dentro da calça, de tão abundante que elas ficam após 20h. Tem até hora marcada.

Como Recife é mesmo uma cidade super descolada (agora para usar o vocabulário dos coleguinhas), e eu só não sei no que diabos ela foi colada antes, não podemos esquecer dos temidos tubarões. É claro, os tubarões. Quando todos pensavam que Deus era realmente brasileiro, melhor ainda, Deus era pernambucano e havia convertido os tubarões planetários em seres vegetarianos, eis que surge mais um e ataca o infeliz do catarinense – conforme todos os jornais do Brasil, quiçá do mundo, oxalá do sistema solar, noticiaram.

Os tubarões merecem um capítulo à parte, porém, diante de tantas maravilhas que a mãe-natureza (ou seria a filha?) nos brindou, só nos resta louvar aos céus e agradecer. É tanta benfeitoria que, por um bom tempo de milionésimo de segundo, a gente até esquece de comentar sobre a insegurança pública e sobre a integridade política. Depois dessa, só mesmo indo pegar minhas duas cadeiras de plástico reservadas e levar meu Baygon à tiracolo.

( 10.05.2006)

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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