Festejos e devoção

O mês de junho é marcado pelas comemorações em torno dos santos Antônio, João Batista e Pedro. Essas festas revelam uma tradição do catolicismo popular que remonta aos portugueses. Chega-se a um limite onde não se sabe onde termina o religioso e começa o profano-popular. Mas, na verdade, esses são os santos que entraram na devoção e na vida do povo brasileiro, especialmente daquele que está localizado no nordeste do Brasil.

Stº Antônio tem o viés popular – santo casamenteiro e milagreiro – mas ele tem também uma característica de ser um dos mais célebres teólogos e pregadores dos santos católicos; esse viés não é sublinhado na devoção popular.
No livro Vida e Milagres do Taumaturgo Lusitano, Stº Antônio de Lisboa, de 1895, no cap. X, há um título que justifica essa afirmação: Em que Stº Antônio foi constituído primeiro mestre e lente de teologia pelo Patriarca Stº Antônio. Diz o texto: “Como em tão pouco tempo, e muito menos de um ano, o nosso prodigioso Santo mostrasse que não carecia de estudar para ser doutor e mestre em uma ciência com que Deus de há muito o tinha dotado, foi-lhe conferido o grau com que o seu Patriarca quis dar justo prêmio a tanta sabedoria, para que esse novo sol, com sua influência, ajudado dos incêndios da sua inextinguível caridade, fertilizasse o debilitado campo da religião , então menos fecundo nas letras, ainda que mais cultivado na simplicidade, menos fértil de doutrinas, porem mais cheio de obediência. Para este fim, a rogos dos mesmos religiosos, o instituiu leitor de teologia (sendo o primeiro de sua Ordem)”. Em Lisboa , em torno do Castelo S. Jorge,pois nessa região está a igreja que foi sua casa, todas as ruas e casas, no período de sua festa, estão enfeitadas com bandeiras, para saudar o filho da terra cuja fama se espalhou de Portugal a Pádua e de lá ganhou o mundo.

João Batista é filho de Zacarias, o mudo, e de Isabel, a estéril.Seu nascimento anuncia a chegada dos tempos messiânicos. O Evangelho lhe dá o nome de “Batista” porque ele anuncia um tipo de batismo diferente daquele que já havia na religião judaica – o dele anuncia e convida à conversão. Ele teve uma vida marcada pela mortificação e pelo jejum.”- O que fostes ver no deserto¿- pergunta sobre ele o próprio Cristo – ” um homem de vestes finas ? um profeta ? Sim, digo-vos, mais que um profeta ” (Mt. 7,7-15). Também o Evangelho de Lucas narra seu nascimento permitindo ver através dele o perfil das grandes vocações dos antigos profetas. No calendário da Igreja Católica ele é o único que é celebrado no nascimento e na morte.

S. Pedro, que conforme a tradição dos Evangelhos, foi o apóstolo escolhido para ser o dirigente-pastor da comunidade, e numa linguagem posterior, é chamado de o 1º Papa, é festejado com outro apóstolo que tem importância capital para a expansão do cristianismo – é S. Paulo, chamado de o apóstolo dos gentios. Mas esse último não é considerado como integrante do ciclo junino. De acordo com a história da Liturgia, essa festa dos dois apóstolos, foi incluída no Santoral Romano já antes da festa do Natal. No século IV já eram celebradas três missas em homenagem a esses santos: uma em S. Pedro no Vaticano, outra em S.Paulo Fora dos Muros (onde estão as relíquias desse santo) e outra na catacumba de S. Sebastião. Diz a tradição que na época das perseguições aos cristãos prolongadas até o início do IV século,as relíquias desses dois apóstolos ficaram escondidas naquela catacumba, até que viesse a era constantiniana.

As festas juninas, celebradas em torno dos três santos citados, revelam um lado dionisíaco, com uma farta alimentação, que na nossa região gira em torno do milho, dos licores, com músicas típicas, danças, adivinhações, especialmente relacionadas com o casamento.

O célebre Câmara Cascudo dedica a esses festejos um lugar especial, mostrando como eles compõem o cenário do folclore brasileiro, especialmente do Nordeste do país. A fogueira tem um lugar especial nesses festejos. Ela não apenas aquece as noites chuvosas dessas festas, mas serve para assar o tradicional milho das noites de S. João e S. Pedro. Há uma tradição que a une a uma promessa de Isabel de acender uma fogueira para avisar a Maria quando o Batista nascesse. Mas o citado autor lembra, numa interpretação sócio-antropológica, que toda a Europa conheceu essa tradição de acender fogueiras nos lugares altos , e mesmo nas planícies, tudo como anúncio de mesas abundantes, ofertas para afastar as pestes dos cereais ou as estiagens. Lembra ainda Cascudo que na Península Ibérica o culto a S. João é um dos mais antigos : “Portugal teria reunido no espírito de seu povo todas as superstições, adivinhações e crendices, tudo amalgamado na noite de 23 de junho, convergência de vários cultos desaparecidos e de práticas inumeráveis, confundidas e mantidas sob a égide de um santo católico”.

Concluo com um texto da liturgia da missa do dia da festa de S.João Batista :
“O temor apoderou-se , então, de todos os seus vizinhos, e por toda a região montanhosa da Judéia comentavam-se esses fatos. E todos os que os ouviam gravavam-nos no coração, pensando :’ Que virá a ser esse menino?’ . E a mão do Senhor estava com ele” (Lc.1,65-66.80 )