Em 1945 aparecia em Santa Brígida, lugarejo próximo a Paulo Afonso, Bahia, a figura carismática de Pedro Batista. Ele lá se refugiou, depois de ter passado por várias cidades do Nordeste. Em Alagoas foi perseguido e preso, por conta de seus milagres. Mas aí ele encontra abrigo, sempre seguido dos seus adeptos. Pouco a pouco, sua fama se espalha e, por conta do afluxo dos romeiros, as autoridades temem que se repita ali mais um episódio de Canudos. Ele é duramente acompanhado pelas autoridades. Mas vence a todos pela paciência. Até os políticos locais se rendem a ele em busca de votos. Além dos atos religiosos, ele se destaca pela ação social que empreende: mutirões, plantio, venda dos produtos na feira. Maria Isaura P. Queiroz conheceu-o pessoalmente e o menciona na sua obra clássica sobre o Messianismo. Ele faleceu em 11 de novembro de 1968.
Quem me falou, por primeiro, sobre os acontecimentos místico-religiosos da cidade de Sta. Brígida foi o professor Edivaldo Boaventura. Seus primeiros contatos com a cidade surgiram no tempo em que foi Secretário de Educação do Estado da Bahia. Há duas datas que são marcantes para a cidade: uma é a festa de S. Pedro, dia onomástico do Padrinho Pedro Batista e a outra é o 11 de novembro, dia do aniversário de morte do Beato, falecido em 1967.
Com Bastide, podemos dizer que o sagrado constitui “a metáfora do social”, isto é, ele traduz o social sob a forma de imagens, e permite aos indivíduos “captar” o social dando-lhe uma dimensão nova, sendo ele próprio provocador de novidades. Nesse sentido, o Padrinho Pedro Batista preenche a tipologia dos messias populares, que surgiram no Brasil, dentro da categoria do messianismo rústico, isto é, aquele que está vinculado à vida rural do povo.
O PEREGRINO E SEU CARISMA
Depois de tanto peregrinar, sem ser compreendido, mas, ao contrário, perseguido, preso, foi enxotado de um lado para o outro. Em 1945, fixou-se em Sta. Brígida, povoado insignificante, no contexto do seu tempo, pertencente a Jeremoabo. Ele encontrou um ambiente desolador em todos os aspectos: econômico, social, moral. Claro que as reações logo começaram, vindas de três níveis: do clero, dos médicos e da justiça. Pouco a pouco, as multidões acorrem em busca de alívio da alma e do corpo. O povo vinha de onde ele já havia passado: Sergipe, Pernambuco, Ceará e, sobretudo, Alagoas. Muitos vinham com a intenção de visitá-lo, somente pedir a bênção, ou alguma cura, mas muitos outros tinham a intenção de se instalar junto ao Padrinho. E logo ele teve que arrendar, alugar e até adquirir roças para instalar os seus seguidores.
Essa consciência dos poderes de messias em Pedro Batista, os romeiros a têm, a ponto de uma beata, vendo os resultados das realizações sócio-religiosas do Padrinho, suspirar dizendo: “Aqui é mesmo o céu”. Por tudo isso, foi muito apropriado o título de um documentário sobre a vida do líder messiânico de Sta. Brígida, realizado pelo IRDEB em 1998, intitulado “O Conselheiro que deu certo”.
O termo “carisma” foi introduzido na linguagem sócio-antropológica por Max Weber para designar o poder específico de postulação e exercício de autoridade sobre os outros. Os carismas são muitos e diferentes, mas o tipo especificamente religioso é fundamental.
A Madrinha Dodô, que fora copeira do Padre Cícero do Juazeiro, após a morte dele, em 1934, volta à terra de origem, Água Branca, em Alagoas. Lá ela conhece o Padrinho Pedro Batista. Ela é uma das primeiras seguidoras, e que, após a morte dele em 1967, assume uma liderança espiritual até à sua morte, em 1998.
ALIENAÇÃO OU MELHORIA DE VIDA DOS ADEPTOS?
Hoje a liderança espiritual do movimento está a cargo do senhor Zezito Apóstolo da Silva que lá chegou em 1961, convidado insistentemente , desde 1959, pelo Padrinho, para assumir a função de professor, atividade que já tinha em Água Branca, onde era professor leigo. Apesar de ser analfabeto, e por isso nunca poder votar, o Padrinho tinha uma visão ampla com relação à importância dos estudos para o povo. Ele dizia: “Vamos rezar para Deus mandar alguém para cá”. Zezito me contou que não queria ir, e o Padrinho soube disso, mas afirmou que ele viria um dia . De fato, o professor se transferiu para Sta. Brígida, e, pouco a pouco, veio toda a família. E ele se tornou o braço direito do Padrinho.
Há uma justa crítica ao fenômeno religioso de que, determinadas expressões, possam acarretar uma alienação do povo. Na verdade, constata Maria Isaura que Pedro Batista “tinha como finalidade a melhoria de vida de seus adeptos, e a religião se tornava o meio mais fácil de atingi-la”.
Os dons extraordinários do Beato atraíram mais e mais pessoas ao povoado. A incessante presença dos romeiros fez o município ir se multiplicando geometricamente e chegando a sua produção a ultrapassar o município de Jeremoabo.A feira é sempre um termômetro para uma região e a importância de um povoado se mede pela importância dela ¿ isso vale até hoje e até para as cidades maiores. O jornal O Estado da Bahia, em 10 de julho de 1954, já dizia: “O progresso agrícola de Sta. Brígida, depois da chegada do velho Pedro, basta que se diga que a produção de mandioca, de feijão e de milho, é superior ao consumo de todo o município de Jeremoabo”.
Os progressos são visíveis. Alem de lavoura, comércio e educação, ele chegou a doar a fazenda Gameleira ao Governo Federal para que ali fosse instalado o primeiro modelo de colonização para proporcionar aos habitantes-romeiros os ensinamentos agrícolas, visando até a mecanização da lavoura. Esse foi o primeiro embrião de reforma agrária na região. Essa fazenda fora-lhe cedida pelo Cel. João Sá, que a negociou por um valor irrisório.
UM “ESTADISTA” DO SERTÃO
A obra de Pedro Batista está configurada ao âmbito religioso, no social, no administrativo, mas é inegável constatar que ele construiu uma obra de engenharia política. Fez conchavos com a elite agrária do seu tempo. Como analfabeto não votava – era Dona Bilu quem escrevia suas cartas, lia e respondia à sua correspondência. Diz-se que Getúlio Vargas o considerava o maior político brasileiro do século XX e dele disse :” Pedro Batista foi o político mais matreiro que o Brasil já teve”. No seu Museu-Memorial, organizado na gestão da prefeita Rosália Rodrigues de Freitas e do seu sobrinho, vice-prefeito Antônio França, vê-se um telegrama de Juracy Magalhães pedindo seu apoio político. Lá também se encontra uma carta de Juscelino Kubitschek solicitando sua cooperação para a campanha do General Lott. O Beato foi até Paulo Afonso para recebê-lo.
A grande dúvida que paira é com relação às origens dele – ele nunca falou e nem a revelou a ninguém. Mas Antônio França tem uma tese que ele não nasceu em Alagoas, porque, pelo seu biótipo, ele não era um nordestino, e teria nascido em Guaraqueceba, litoral do Paraná. Diz França: “Certa vez consegui contatar uma senhora de Curitiba, Elvira Batista, que apontou Pedro Batista como um tio seu que foi para o Nordeste e nunca mais voltou”.
No documentário de Sérgio Muniz, “O povo do velho Pedro”, filmado em 1967, lá o Beato deixa escapar, talvez inconscientemente, já doente, o seu lado mandão. Apontando para a palma da mão, ele diz: “Aqui todos têm que passar nessa mão. É rico, é pobre, é padre, tudo tem que ter aqui”. É a sua dimensão política que, até o fim de sua vida, esteve sempre bem presente.
O PADRINHO, UM MODELO A SEGUIR
Na verdade, Pedro Batista foi o grande provedor do seu povo. Maria Isaura compara-o a “uma espécie de banco dos seus romeiros”. Ele financiava o que o povo precisava, e isso sem juros. Mas toda essa fortuna vinha das múltiplas doações dos seus romeiros.
Qual a base para o seu sucesso, qual o segredo para a sua performance? A chave do seu segredo está no fato de nunca ter agido de forma revolucionária, nunca ter invadido terras. Com muita habilidade fez alianças com os líderes políticos da sua região, e pedia sempre licença para morar. Em contrapartida, favorecia com votos os seus protetores, para a perpetuação dos políticos no poder. Pode-se dizer que esse era “voto de cabresto”, sacramentado pela fé. Havia um acordo tácito entre ele e o Coronel João Sá. Logo, ao chegar ao povoado, os romeiros tiravam seus títulos de eleitor, a ponto de Santa Brígida decidir as eleições municipais de Jeremoabo. Lindoaldo Alves de Oliveira, “Seu Lindo”, ex-prefeito, explica: “Aqui só eram duas urnas, apelidadas de ‘bomba atômica’, pelo poder de aniquilar os adversários. Nas eleições de 1954, foram contados mais de 300 votos em Sta. Brígida, só havia dois contra o coronel João Sá”, conta ele.
Há uma conseqüência nas atitudes e hábitos, na vida moral, nos costumes dos fiéis, como resultado da pregação dos messias. Com Pedro Batista, essa tônica foi marcante. Viver ao lado do Padrinho era segui-lo como modelo A maneira dos antigos romeiros se vestirem, está em voga até os dias de hoje: as mulheres de branco, com lenço e vestidos com manga comprida. Mesmo aos homens havia essa recomendação – até hoje Zezito Apóstolo só usa camisas de mangas compridas. Como Pedro Batista era celibatário, muitos seguiam o mestre nesse costume, sendo ainda hoje, na cidade, motivo de glória alguém se apresentar como “moço ou moça velha”.
A grande verdade de tudo que foi relatado, é que, nas expressões da religião do povo, e o messianismo de Pedro Batista é um deles, essa religiosidade ajuda os pobres a suportarem a vida ¿ não seria criminoso tirar-lhes essa expressão de fé sem substituir e proporcionar em troca, de verdade, algo melhor?
Pessoalmente, tenho me perguntado sobre a continuidade da obra do Beato. Já perguntei a pessoas ligadas a esse interesse quem seria a pessoa que daria continuidade a essa obra quando Zezito não puder mais desempenhar essa função. As pessoas não vêem um nome com as aptidões dele. Mas talvez essa seja uma preocupação por demais racionalista, porque, diferentemente de Canudos, pelas razões que a história mostra, há movimentos religiosos, como o do Padre Cícero, que teve autonomia após a sua morte e nunca foi dissolvido.
Não devemos fazer interpretações reducionistas. René Ribeiro, citando Sylvia Thrupp, relata as conclusões do estudo comparativo dos messianismos: “Em toda cultura, o pensamento em que se mantém o sonho milenarista , tem uma lógica própria, que não é reflexo automático das situações sociais”.
(Professor da Universidade Estadual da Bahia-Uneb, da Fundação Visconde de Cairu, da Faculdade 2 de Julho, Membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e da Academia Mater Salvatoris)