A Formiga e a Cigarra
A fábula de La Fontaine elogia as formigas operárias que trabalham incansáveis e condena as cigarras que, vivendo a cantar, não teriam provisões para o inverno. Por desconhecimento, ou porque lhe convinha, o autor omite que as formigas eram fêmeas, sem asas, alimentando uma “rainha” cuja função era reproduzir. Também não menciona que as cigarras constroem uma das mais belas “residências” da floresta e no processo de extrair a seiva de uma árvore, repartem com as formigas esse néctar.
Fugindo das analogias, podemos afirmar que a fábula retrata a eterna tensão do homem entre “viver para trabalhar” e “trabalhar para viver”. Mais que isso: toma partido, justificando uma suposta divisão social onde a maioria, por natureza, trabalha para que alguns usufruam os benefícios e se assenhoreiem do processo físico e intelectual que deveria pertencer ao conjunto da sociedade – produção social, apropriação social.
Negar, porém, o direito de “cantar” é, contraditoriamente, o reconhecimento da felicidade possibilitada pelo esforço criativo do trabalho que materializa e humaniza a natureza e as pessoas. É também a tentativa de alienar as “operárias” da sua própria criação, nascida do seu esforço, mesmo inconsciente. Nesse caso, a “folga” da cigarra é uma “subversão” que relembra a classe trabalhadora que ela é a mola do mundo e que deve gozar, com maior razão, dos frutos da cultura material e espiritual. Ou ainda, que o trabalho sem um desfrute é um tríplice tormento (tri-palium). Para usufruir o de-senvolvimento que vem do trabalho, é necessário superar o “estágio de formiga”, o es-tágio do puro reino da necessidade.
O Paulista e o Baiano
Tipologicamente, se poderia falar em dois modos de viver, em duas formas de olhar a vida. De um lado, predomina a lógica do “progresso”, da produção para o mer-cado, da obsessão pelo lucro. O ideal é o NEGÓCIO (nec+ocium = negação do ócio), porque “time is money”. Do outro, aparece o ÓCIO desmoralizado como a esperteza de aproveitar o momento e a vida, da “lei do menor esforço” e de “pernas para o ar que ninguém é de ferro”, onde a arte, o afeto, o lazer e a poesia ganham especial destaque. Na caricatura, os primeiros “não podem parar”, enquanto os outros “levam a vida na valsa”; uns são elogiados como trabalhadores exemplares e os outros de vagabundos
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Na realidade, esta dicotomia e polarização é uma falsa questão que não serve para um projeto de sociedade transformada. Sonhamos com o trabalho com o status de “opus” (obra de arte), realização criativa do ser humano que sem destruição da nature-za, constrói um ambiente de convivência. O ócio (em grego SCHOLE), esse prazer físi-co intelectual e espiritual, deveria ser um direito de toda pessoa. Mesmo conservando a saudável tensão manual X intelectual, o trabalho perderia esse caráter de apenas es-forço físico (labor) e, sobretudo, sua conotação de castigo e tormento (tri-palium). E o lazer, como o ideal do bem-viver, do viver feliz, seria o “usufruto” de quem produz.