foto Aurelio Molina entrelaços

A renomada revista britânica The Economist publicou recentemente artigo acerca de um novo conceito denominado “Pós-Verdade”. Nele, a verdade não é falseada ou contestada. Apenas é de importância secundária, pois são os sentimentos, e não os fatos, que importam. A despeito de ser endereçada às práticas político-eleitorais esta tese pode ser aplicada em todos os setores da sociedade humana, inclusive à campanha “Novembro Azul”. Apesar das mais prestigiosas instituições mundiais, sem conflitos de interesse (quando o julgamento pode ser influenciado por interesses secundários, geralmente financeiros), não recomendarem o rastreamento do câncer de próstata para homens (de qualquer idade) sem queixas, desde que não pertençam a grupos de risco, como o Instituto Nacional do Câncer, o United States Preventive Services Task Force, o National Screening Comittee in the United Kingdon e o Ministério da Saúde da Austrália, a “Novembro Azul” continua, explicita ou implicitamente, “popularizando” o contrário. Coerente com a tese da “pós-verdade”, o que “importa” é o medo do câncer de próstata, o segundo que mais afeta e mata homens no Brasil. O “fundamental” é a prevenção, mesmo quando ela não se aplica ou não funciona. O “essencial” é fazer alguma coisa, mesmo que seja inútil e cause enorme maleficio físico e emocional, com elevados custos financeiros. O que “interessa” é vencer o machismo e manter “a roda girando”, mesmo que (infelizmente) as estratégias e armamentos terapêuticos atuais, baseados na melhor avaliação científica disponível, não alcancem seus objetivos. É o que, em linguagem bioética, chamamos de “obstinação terapêutica” ou “tratamento fútil”. Muitas dessas confiáveis instituições também recomendam que aqueles que espontaneamente demandarem um rastreio, exercitando sua autonomia, devem ser muito bem informados dos malefícios do tratamento (disfunção sexual erétil, incontinência urinaria, problemas intestinais em caso de radioterapia, e risco de morte e de sérias complicações no período operatório) e da ausência de comprovação científica de possíveis benefícios, o que está em consonância com artigo XXI do Código de Ética Médica que expressa que no processo de tomada de decisões os procedimentos/ações têm que ser cientificamente reconhecidos. Portanto, é mais do que passada a hora do Ministério Público, as autoridades constituídas e os Conselhos de Saúde intervirem e suspenderem imediatamente tal campanha publicitária. Ela afronta a Ética, a Ciência e o Bom Senso. Isto é fundamental, para o bem de toda sociedade, particularmente para a saúde dos homens. Felizmente, para a sorte de alguns, o Código de Ética Médica, no artigo XX, considera a relação profissional-paciente tão personalíssima que ela não se caracteriza como uma relação de consumo. Caso contrário, poderiam se encaixar no artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor que expressa ser crime fazer afirmação falsa ou enganosa ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, segurança, desempenho ou garantia de serviços. Finalizo com um dos mais caros princípios deontológicos para os discípulos do deus Esculápio: a Medicina não pode, em nenhuma circunstância, ser exercida como comércio.

Publicado no Diário de Pernambuco, 12/11/2016, caderno 1, página 2

Obs: O autor, Prof. Dr. Aurélio Molina, Ph.D pela University of Leeds (Inglaterra) é membro das Academias Pernambucanas de Ciências e de Medicina.

Este texto expressa exclusivamente a opinião do autor e foi publicado da forma como foi recebido, sem alterações pela equipe do Entrelaços.


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